Não foi só o acesso aos grandes átrios da Gare Marítima de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, com os 14 grande painéis criados e pintados in loco por Almada Negreiros, que se abriu ao público nesta primeira semana de abril.
No rés-do-chão da Gare de Alcântara inaugurou-se no passado dia 7 um completo centro de interpretação que contextualiza a história desses dois edifícios, projetados pelo arquiteto Pardal Monteiro, e da pintura dos murais. Ainda este ano deverá abrir um restaurante no primeiro piso.

As duas gares marítimas já estavam em funcionamento quando Almada aí se instalou, subindo a andaimes para concretizar a pintura de oito painéis na de Alcântara (terminados em 1945) e seis na da Rocha do Conde de Óbidos (realizados em 1949). Nenhuma delas foi inaugurada a tempo da Exposição do Mundo Português, em 1940, como era desejo inicial do poderoso ministro Duarte Pacheco, que ficou conhecido pelo impulso dado às obras públicas em Portugal e morreu precocemente num acidente de viação em 1943. O objetivo era dar uma modernidade com espírito nacionalista a esta porta de entrada em Lisboa, que se queria afirmar como “cais da Europa”.
No Centro Interpretativo – Murais de Almada nas Gares Marítimas ficamos a saber, entre material escrito e audiovisual, as histórias e personagens que habitaram estes edifícios ao longo de décadas: refugiados em busca de uma fuga para o outro lado do Atlântico durante a Segunda Guerra, numa primeira fase, emigrantes e, na década de 60, milhares de soldados de todo o País a caminho da Guerra Colonial.
Também há informações sobre o percurso do “artista total” Almada Negreiros e um painel criado pelo ilustrador João Fazenda como homenagem à tradição muralista em várias épocas e geografias.

Almada transportou para estes painéis cenas do quotidiano da vida ribeirinha em Lisboa (varinas, carvoeiras, estaleiros, pescadores, pedintes e saltimbancos…), paisagens lisboetas e evocações de um passado mítico (numa interpretação do poema popular Nau Catrineta e da Lenda da Nazaré e de D. Fuas Roupinho).
Essas opções não agradaram aos representantes do gosto oficial do Estado Novo, que preferiam uma glorificação sem ambiguidades do passado português sem a presença da gente humilde das ruas da capital. A continuidade do trabalho de Almada esteve mesmo em causa e chegou a falar-se da destruição posterior dos painéis da Rocha do Conde de Óbidos. Por sua vez, o próprio artista diria, em 1953, sobre estes seis painéis: “Creio não haver antes cumprido melhor, nem feito obra que fosse mais minha.”

A entrada para o novo Centro Interpretativo faz-se no edifício da Gare Marítima de Alcântara. Aí, os visitantes podem escolher se querem ver só os painéis nas gares (a viagem de uma para outra, de cerca de 800 metros, será feita em veículos inspirados nos que Pardal Monteiro desenhou, na época, para transporte de bagagens) ou de complementarem a visita com a passagem pelo Centro Interpretativo, no rés do chão da Gare Marítima de Alcântara. Essa visita completa é altamente recomendável.
Centro Interpretativo – Murais de Almada nas Gares Marítimas > Doca de Alcântara, Lisboa > seg-dom, 10h-19h > €3 a €5