Às dez da manhã, num dia de sol mas com o céu pontuado de nuvens, nem os seis graus de temperatura nos impediram de meter pés a caminho rumo aos Passadiços do Mondego. Deixámos o carro junto à barragem do Caldeirão, em Chãos, Maçainhas (aonde haveremos de voltar de táxi), numa das entradas deste longo percurso linear, em pleno Parque Natural da Serra da Estrela e integrado no Estrela Geoparque Mundial da UNESCO. São exatamente 11,7 quilómetros pelas margens do rio Mondego, aos quais se somam uns quantos desníveis e mais de um milhar de degraus. Pelo meio, descobrimos paisagens de cortar a respiração e um santuário natural para guardar na memória.
Antes de começarmos, detemo-nos a olhar para o espelho de água da albufeira e para as enormes escarpas. Seguimos, depois, na direção recomendada pela Câmara Municipal da Guarda. Para percorrermos esta estrutura, inaugurada em novembro passado, com sete quilómetros de passadiços em madeira, três pontes e quase cinco quilómetros de caminhos rurais, é preciso ultrapassar parte do rochedo em que está o Miradouro do Mocho Real, a escassos metros, e transpor uns quantos degraus rasgados na pedra. Antes de chegarmos ao vale, ainda no alto da encosta, há outro miradouro. Ao longe, veem-se pequenas povoações espalhadas pela serra.
Junto à cascata da ribeira do Caldeirão, uma queda-d’água com cerca de 50 metros, conhecida também como “Cascata Rosa”, devido ao tom rosado e alaranjado das suas pedras, encontramos António Brazeta, 51 anos, com os filhos, Inês e João, 24 e 12 anos, respetivamente. Elisabete Albuquerque, a mulher, seguia um pouco mais atrás. Vieram da vila de Manteigas para mais uma caminhada em família, a qual, embora a paisagem serrana lhes seja familiar, se revelou “uma experiência única, muito bonita.” “Uma obra de engenharia fantástica”, que permite observar a Natureza em estado puro, que, “de outra forma, não se conseguiria ver”, sublinha António.
“A chegada do progresso”
Vencidos os 600 degraus, seguimos por um caminho de terra e, ainda antes da Ponte da Mizarela – que se pensa ter sido construída sobre uma estrutura romana –, encontramos Manuel Pina, 72 anos, a apanhar a azeitona num olival junto ao passadiço. Natural de Mizarela, mas a viver na Amadora há quase seis décadas, o comerciante faz, duas vezes por mês, a viagem de volta à terra. Ainda não teve tempo de percorrer a nova estrutura, mas vê com bons olhos “a chegada do progresso” à terra natal, pois “trará oportunidades de negócio”.
A opinião é partilhada pelo presidente da Câmara Municipal da Guarda, Sérgio Costa, que garante que esta infraestrutura é “uma âncora para toda a região”, capaz de aumentar as visitas ao território. “São os passadiços mais bonitos do País” e permitem-nos conhecer “a serra como nunca antes a vimos”, reforça à VISÃO.
Mais à frente, ainda de olhos postos na tal ponte, cruzamo-nos com Pedro Pinto, atrás do balcão, no Pintos Bar, o lugar onde muitos caminhantes fazem uma paragem para recuperar fôlego. À conta dos passadiços, que “trazem muita gente à aldeia”, as manhãs são cada vez mais movimentadas, e Pedro não tem mãos a medir. Entre uma bifana e uma cerveja, partilham-se informações com alguns membros do grupo de caminhadas Andar, com quem nos voltaremos a cruzar mais à frente.
Retomamos a marcha. Para trás fica a serpente de madeira na encosta, e a atenção vira-se para as margens do Mondego, onde estão à vista as ruínas de fábricas de lanifícios, prova do passado ligado à indústria têxtil da Vila Soeiro. É o caso da Fábrica Nova, onde o artista urbano Miles deixou um desenho, ou ainda das antigas estruturas de produção de eletricidade, como a Central Hidroelétrica do Pateiro (1899), onde agora começa o troço de dois quilómetros acessível a pessoas com mobilidade reduzida.
Neste traçado mais suave, a vista panorâmica permite apreciar as encostas recortadas e pinceladas pelas cores do outono, nas quais sobressaem amieiros, freixos e salgueiros. Com a água sempre presente, ouvimos o chilrear do guarda-rios. Na verdade, o Mondego, que corre ora mais lento ora mais apressado, faz-se notar como som de fundo ao longo de todo o passadiço.
É já depois das ruínas do Engenho do Pateiro que chegamos à primeira ponte suspensa (são três, no total), que nos levará para a outra margem. Segue-se um percurso em terra batida até às ruínas de diversas fábricas, servidas por açudes e levadas. É o caso do Engenho dos Fonsecas, que fornecia o fio para tecer o afamado cobertor de papa. Perto da povoação de Trinta, que integra a rede Aldeias de Montanha, sensivelmente a meio do percurso, podemos sair para aconchegar o estômago, mas optamos por seguir em frente.
À uma da tarde, com a neblina a cobrir o alto das montanhas, convém não perdermos o ritmo. No entanto, isto não é uma corrida. Há que respirar o ar puro da montanha e levar o tempo que for necessário. É precisamente no troço recomendado às famílias, entre o Açude dos Trinta e Videmonte, que encontramos, numa pausa, Tiago e Joana Sá Lemos, vindos da Covilhã. As filhas, Madalena e Laura, de 12 e 6 anos, não parecem acusar o cansaço, após terem caminhado dois quilómetros desde Videmonte (outra das possíveis entradas), interrompidos para apanhar castanhas.
A partir daqui e até à aldeia de montanha, conhecida pelo pão cozido em forno a lenha, a estrutura de madeira segue paralela ao rio, e o olhar perde-se por entre as encostas distantes. Reencontramos os portugueses do grupo Andar, com quem nos tínhamos cruzado junto à ponte da Mizarela, que adoraram a caminhada, especialmente “a proximidade com o Mondego”, e já têm marcado o regresso.
Neste traçado, de dificuldade média, exige-se um último esforço para se vencer a enorme escadaria de madeira, que contorna a cascata e os moinhos em ruínas e sobe até à serra. Depois de cinco horas de caminhada, também nós ficámos rendidos.
Passadiços do Mondego > seg-dom 9h-17h > grátis, €1 a partir de janeiro > reservas em passadicosdomondego.pt
Aqui à volta
Ver
Associação O Genuíno Cobertor de Papa > EN 338, Maçainhas, Guarda > T. 969 607 479 > cobertordepapa@gmail.com > grátis, por marcação
Sé da Guarda > Pç. Luís de Camões, Guarda > T. 969 330 910 > seg-dom 9h30-13h, 14h-17h > €1,50-€2,50
Comprar
Queijaria Alcina Martins Correia > R. da Serra, 45, Videmonte, Guarda > T. 965 837 377 (encomenda prévia)
Vim do Monte (pão e biscoitos) > Av. da Cruz, 7, Videmonte, Guarda > T. 963 530 929 (encomenda prévia)
Comer
Ponto de Encontro > Av. do Adro, 43, Trinta, Guarda > T. 271 598 256 > seg-dom 8h-23h
Afonso’s House and Rooms > R. da Amoreira, 7, Videmonte > T. 271 013 174, 966 396 791 > ter-qui 12h30-14h30, sex-sáb 12h30-14h30, 19h30-21h
Dormir
Hotel Lusitânia Congress & Spa > R. das Covas, Lote 34, Guarda > T. 275 330 406 > a partir de €75
Villa Medroa > Quinta Medroa, Mizarela > T. 927 550 014 > quartos a partir €120, casa (4 quartos) a partir €395