Um novo estudo publicado na Bio Arxiv concluiu que o cromossoma sexual animal mais antigo conhecido é de um ancestral do polvo, da lula e dos chocos, batendo o anterior recordista por, pelo menos, 70 milhões de anos. Mais: pode mesmo ser mais antigo do que o das plantas.
Em 2020, no âmbito do projeto internacional STURGEoNOMICS, liderado pelo Instituto Leibniz de Ecologia de Água Doce e Pesca Interior (IGB), cientistas tinham descoberto que o cromossoma sexual animal mais antigo era o do esturjão, o que representou um avanço significativo para a biologia evolutiva. Os cientistas conseguiram rastrear um ancestral do esturjão, que viveu há 180 milhões de anos.
Os cromossomas sexuais desempenham um papel crucial na determinação do sexo e na herança de características genéticas relacionadas com o dimorfismo sexual. Na maioria dos mamíferos, incluindo os seres humanos, e em alguns insetos, o sistema de determinação sexual é geralmente composto por dois tipos de cromossomos sexuais, o cromossoma X e o cromossoma Y. Embora o sistema de determinação sexual nos mamíferos geralmente siga o padrão de XX para o sexo feminino e XY para o sexo masculino, existem variações cromossómicas que podem ocorrer, como a síndrome do triplo X (XXX) ou a síndrome de Klinefelter (XXY). Essas variações podem não ter qualquer efeito discernível, mas podem também levar a diferenças significativas no desenvolvimento físico, cognitivo e emocional
A diferença na constituição dos cromossomas sexuais resulta na expressão de características sexuais secundárias específicas de cada sexo. O cromossoma Y, em particular, carrega genes que determinam características sexuais masculinas, como a produção de testosterona. A herança desses cromossomas sexuais segue padrões genéticos específicos, incluindo a herança ligada ao sexo, onde certas características são mais comuns num sexo do que no outro devido à presença de genes específicos num dos cromossomas sexuais.
Durante muito tempo, os cientistas estiveram incertos sobre como os cefalópodes, os moluscos de corpo mole, como os polvos e as lulas, determinavam o seu sexo, se de facto também o faziam através de cormossomas. Os moluscos, devido à sua diversidade reprodutiva, apresentam uma variedade de estratégias de reprodução, incluindo hermafroditismo ou hermafroditismo sequencial, onde os indivíduos podem trocar de sexo ao longo do tempo. Enquanto os polvos são geralmente monoespecíficos em relação ao sexo, não estava claro para os cientistas se essa determinação era governada por fatores genéticos ou ambientais. Em certas espécies de répteis e peixes, por exemplo, o sexo da prole pode ser influenciado por fatores ambientais como a temperatura.
Segundo o novo estudo, os cefalópodes colóides – polvos, lulas e chocos – possuem uma variedade de características novas, incluindo um sistema nervoso que é o maior e o mais complexo do mundo dos invertebrados. Também, “ são uma linhagem profundamente divergente que partilhou pela última vez um antepassado comum com outras linhagens de moluscos existentes no período Cambriano, há cerca de 550 milhões de anos.” Segundo os investigadores, “Este é um tempo surpreendentemente longo para um cromossomo sexual ser preservado”.
Em 2015, os investigadores completaram a primeira sequência genética de ADN completa de um cefalópode, o polvo-de-duas-manchas-da-Califórnia (Octopus bimaculoides). Como a sequência ainda possuía lacunas, os investigadores do estudo liderados por Andrew Kern, biólogo da Universidade de Oregon, iniciaram um processo de preenchimento dessas lacunas por meio de um sequenciamento de alta fidelidade. Aperceberam-se de uma peculiaridade: o cromossoma 17 do polvo parecia menos preenchido com genes comparativamente aos outros cromossomas da sequência. Como os cientistas também tinham sequenciado um polvo de duas manchas fêmea, compraram os resultados encontrados com o do macho.
No caso do polvo macho, o cromossoma 17 não mostrava a mesma redução na densidade de genes observada na fêmea, sugerindo uma possível diferença na expressão genética entre os sexos. No caso do polvo macho, o cromossoma 17 não mostrava a mesma redução na densidade de genes observada na fêmea, levantando a hipótese de uma possível diferença na expressão genética entre os sexos, ou seja, que o cromossoma 17 era um cromossoma sexual do polvo.
Para confirmar esta hipótese, os investigadores sequenciaram mais quatro polvos – dois machos e duas fêmeas – e verificaram que o polvo possui uma ou duas cópias de cromossomo 17, dependendo do sexo (as fêmeas possuem apenas uma cópia do cromossoma 17, enquanto que os machos possuem duas). Os cromossomas sexuais do polvo não são como o dos humanos XY e XX – são ZZ e ZO.
Além disso, os investigadores identificaram a presença de vários genes nesse cromossoma, semelhantes aos genes que codificam proteínas nos tecidos reprodutivos humanos, como uma proteína encontrada no esperma. Noutros seres, como pássaros e borboletas, os machos geralmente têm dois cromossomos sexuais Z, enquanto as fêmeas possuem um cromossomo sexual Z e um cromossoma sexual W. No entanto, os investigadores não conseguiram encontrar um cromossoma W correspondente nas fêmeas de polvo o que também levou à hipótese dos cromossomas sexuais de os machos serem ZZ, enquanto as fêmeas têm cromossomas sexuais ZO, sendo que o “O” denota a falta do cromossoma W encontrado noutras espécies com sistemas de determinação sexual semelhantes.
O grupo de cientistas comparou então os genomas do polvo de duas manchas da Califórnia com genomas de três outras espécies de polvo, três espécies de lula e o náutilo-com-câmara – Nautilus pompilius – e encontraram o padrão de cromossomas sexuais ZZ e ZO nas espécies de polvo e de lula (mas não no náutilo, que é uma espécie relacionada mas mais afastada).
Esta última comparação entre espécies revelou que os cromossomas sexuais evoluíram depois da divisão entre a linhagem do nautilus e a linhagem que deu origem às lulas e aos polvos modernos. Isto significa que o cromossoma Z apareceu pela primeira vez entre 455 e 248 milhões de anos atrás durante esta divisão entre linhagens e que se manteve assim até hoje. Os dados deste novo estudo confirmaram assim que, tanto nos animais como nas plantas, os cefalópodes têm os cromossomas sexuais mais antigos.