“Se não tiver maioria absoluta, não vou continuar a governar a Madeira”. A garantia de Muguel Albuquerque, reiterada durante a campanha eleitoral, afinal, era apenas um bluff: a coligação PSD/CDS obteve uma vitória, mas sem maioria absoluta, “obrigando” o líder regional a voltar atrás com a sua palavra e a negociar um entendimento com o PAN. A questão da credibilidade dos políticos, tendo como pano de fundo as eleições na Madeira, abriu o debate no Olho Vivo, programa semanal de comentário político e económico da VISÃO. Os resultados eleitorais da Região Autónoma, o acordo com o PAN (e o que ele significa, numa leitura nacional…) e a nova postura de Luís Montenegro face ao Chega foram os temas fortes desta semana. Mas os comentadores residentes do Olho Vivo debruçaram-se, ainda, sobre o fenómeno dos protestos de ativistas climáticos contra o ministro do Ambiente, uma conferência sobre a transição energética.
Sobre a atitude do presidente do Governo Regional (e recandidato ao mesmo posto), que disse que saía e, afinal, ficou, Mafalda Anjos, diretora da VISÃO, é perentória: “As declarações de Miguel Albuquerque foram claríssimas, ele reiterou diversas vezes que não estava disposto a negociar se a sua coligação não tivesse maioria absoluta e que saía. Voltou atrás sem qualquer pudor nem tão pouco explicações, logo o valor da sua palavra neste momento tende para zero. E a forma como já ninguém estranha nem se indigna é bastante preocupante – é sintoma de uma degenerescência democrática”.
O jornalista de economia da VISÃO e da EXAME, Nuno Aguiar, concorda: “Não sei se alguma vez vi um político desmentir-se desta forma. Políticos darem cambalhotas depois das eleições não é inédito, mas fazerem-no como Miguel Albuquerque, ignorando as perguntas que lhe eram feitas sobre a sua promessa, não me lembro”.
E Filipe Luís, editor executivo com a pasta da Política, acrescenta que “a atitude de Miguel Albuquerque descredibiliza-o a ele, ao seu partido, e à política em geral”. E justifica: “Que crédito devemos dar, amanhã, a qualquer declaração deste género, dita por ele, por qualquer responsável do seu partido ou, mesmo, na cabeça do cidadão comum, por qualquer político? Esta pirueta fragiliza, aliás, a própria garantia de Luís Montenegro de que não fará acordos com o Chega… Sabe-se lá!” E o mesmo pensa Mafalda Anjos: “Depois de ouvirmos as declarações de Montenegro nessa noite, a dúvida que fica é só uma: e se o PSD precisar mesmo do Chega para formar governo? Voltará atrás com a mesma facilidade na sua palavra?”.
Mafalda Anjos considera, ainda, que “estas eleições mostraram mais uma vez como as sondagens podem ser elementos, mais do que de prospeção do eleitorado, de interferência nos resultados. O facto de terem anunciado maiorias absolutas tão expressivas pode ter desmobilizado o eleitorado laranja e obrigado Albuquerque a fazer um ultimatum. O problema”, conclui, “ é que quando se faz um ultimatum, é preciso estar disposto a arcar com as consequências negativas se o resultado não for o desejado”.
Sobre o acordo com o PAN, na Madeira, Nuno Aguiar mostra-se cético: “Já tivemos uma reação negativa no PAN e outra do CDS. O que faz Miguel Albuquerque se este acordo correr mal? Não pode falar com a IL, não pode nem quer falar com o Chega… No caso do PAN, já tivemos membros eleitos que depois se desfiliaram”. Mas Filipe Luís vê aqui uma particularidade madeirense que se rege por regras locais, onde as pessoas todas se conhecem: “Se calhar, se o cabeça de lista da IL fosse outra pessoa, Miguel Albuquerque teria feito o acordo com os liberais”. E o editor executivo faz aqui, também, uma leitura nacional: “É curioso que, na sua primeira participação numa solução governativa, a entrada do PAN se faça pela direita… Isto abre novas possibilidades ao PSD, a nível nacional, que também contribuem para o conforto de Montenegro em descartar o Chega: afinal, a IL não é o único parceiro possível…”
Nuno Aguiar retira uma ilação. Embora o jornalista considere que a liderança de Luís Montenegro sai fragilizada, o resultado na Madeira obrigou, pelo menos, o líder do PSD a esclarecer a relação do partido com o Chega. “As declarações que fez depois são claras. Diz que não há negociação com o Chega. Podemos no futuro responsabilizá-lo por elas.”
Já os protestos que pintaram de verde o fato e a camisa do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, mereceram, também, reflexão. “O problema não está na legalidade da atuação. Não coloco ao mesmo nível o que aconteceu na FIL com o que aconteceu com Duarte Cordeiro. Ter a FIL pintada de vermelho não comove, mas ver uma pessoa durante um minuto a levar com bolas de tinta é desconfortável”, aponta Nuno Aguiar, para quem é preciso encontrar a linha entre “fazer-se ouvir e persuadir”. Contudo, identifica “uma dissonância” no debate público: “Estamos todos os dias a dizer aos jovens que as alterações climáticas são um risco existencial, mas depois a nossa urgência não corresponde a esse risco.”
Filipe Luís admite que este protesto “pode ter conseguido os seus objetivos mediáticos, para chamar a atenção”, mas adverte que prejudica, mais do que beneficia, a causa que os ativistas dizem defender. Porque o cidadão médio não compreende a necessidade desta agressividade e tende a reagir desfavoravelmente”. Ainda por cima, acrescenta o editor executivo, “o alvo do protesto é um pouco ao lado, visto que, como disse o Presidente da República, há matérias em que o Governo pode ser mais criticado do que na do combate às alterações climáticas…”. Mais, “protestar contra a presença da GALP e da EDP neste evento não faz sentido, porque são precisamente as companhias ligadas à energia que têm de ser os agentes da transição energética (até há uma empresa chamada EDP Renováveis…); tal como as mesmas marcas que fabricam viaturas movidas a energia fóssil são as mesmas que estã a fabricar os carros elétricos…”
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