A minha liberdade termina quando começa a liberdade do outro. É uma frase feita e que deveria ser levada à letra. No entanto, num País que viveu amordaçado 48 anos (ainda que isso tenha sido há 50), quando o tema é “liberdade de expressão” o caldo entorna-se. Entorna-se e dá origem a situações como aquela a que assistimos esta semana em plena Assembleia da República, quando o seu presidente disse recusar-se a ser censor e limitador da liberdade de expressão dos deputados. Dito assim concordo a 100% com a segunda figura do Estado. Valha-nos os deuses se Aguiar Branco ousar ser castrador da linguagem dos Senhores Deputados!
Mas, e há sempre um mas, a situação – ou melhor, a frase! – merece uma análise mais “fina”. É que o caldo entornado decorre de uma intervenção do líder do Chega em que, ao questionar sobre os dez anos previstos para a construção do novo aeroporto, afirmou: “O aeroporto de Istambul – os turcos não são propriamente conhecidos por serem o povo mais trabalhador do mundo – foi construído e operacionalizado em cinco anos”.
Com a esquerda parlamentar a levantar-se indignada perante tal frase, o assunto deixou imediatamente de ser o novo aeroporto – o tal de que se fala desde que ainda eu não era nascido – para passar a ser raça, etnia, preguiça, burrice, racismo, pedido de desculpa aos legais representantes do povo turco, entre outros pontos decorrentes da frase.
A liberdade de expressão não pode exceder os limites da lei. Mas, onde fica ou está aqui a lei?
Augusto Santos Silva, antecessor de Aguiar Branco, foi criticado por ser censor. Aguiar Branco está a ser criticado por ser brando. No entanto, entre os apupos dos grupos parlamentares à segunda figura do Estado, recordou que a liberdade de expressão está constitucionalmente consagrada e que a avaliação do discurso político é feita pelo povo, em eleições. Povo que recentemente foi às urnas.
A liberdade de expressão não pode exceder os limites da lei. No entanto, o que a mim mais me incomoda é que o líder do Chega passou um atestado de “obras de Santa Engrácia” (para não dizer de lentidão) aos portugueses que necessitam de 10 anos para construir um aeroporto, enquanto os turcos necessitaram de metade do tempo para fazer igual. Olhando de fora para os 230 deputados que representam os portugueses começa já a ser confrangedor estarem sempre a olhar para fora em vez de zelar pelo que vai dentro deste retângulo à beira-mar. Começa a ser vergonhoso ter quase metade dos eleitos pelos cidadãos portugueses a olharem por tribos e para tribos em vez de levantarem os olhos para o País.
Não chega gritar “contra os canhões, marchar, marchar”. É necessário marcar.
O resumo do dia é que o ponto importante não é o comentário de Ventura sobre os turcos, a comparação foi só de mau gosto, mas verdadeira na sua génese. Precisamos do dobro do tempo para construir um aeroporto. E na Índia como seria?
E Aguiar Branco podia refletir um pouco na resposta que deu a Alexandra Leitão e vir dizer que não vale tudo dentro daquele espaço, que tem que ser um exemplo de cidadania, e que quando entender que algum deputado ultrapassa os limites da lei, o interrompe e chama à razão.
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