Neymar: with or without you
Em tempos, Adolfo Luxúria Canibal, o vocalista dos “Mão Morta”, disse a Manuela Moura Guedes, numa entrevista, que se cortara a si próprio, numa perna, durante um concerto, porque o público estava a ficar fora de controlo e, ao derramar o seu sangue, ele amenizara as massas e evitara um mal maior.
Ainda que inadvertidamente – ao contrário do que aconteceu com o vocalista português -, a lesão de Neymar parece ter tido o mesmo efeito na seleção e na torcida do Brasil. Depois de tanto pressão, alguma coisa quebrou, e não foi apenas a infelicidade de uma vértebra partida. Os jogadores uniram-se (ainda mais) com o propósito de “vingar” Neymar conquistando do título. E a compaixão da torcida com o jogador estendeu-se a todo o plantel. Sem a presença do craque, é como se a equipa tivesse agora passe livre, sem que se façam juízos, para ganhar independentemente de táticas ou estilo.
Se Neymar era salvador dentro de campo, aquele que podia desatar uma partida, agora, estranhamente, a sua ausência é quase tão essencial como seria a sua presença.
Uma revista de grande circulação anunciava a substituição da exigência do jogo bonito pelo pragmatismo de uma meia-final, e titulava na capa: “Agora vai na raça!”
Há muitos que acreditam que, sem Neymar, o Brasil jogará mais como equipa e terá mais possibilidades de vencer a Alemanha. “Para cima deles”, parece ser o mote – uma equipa que pressione desde cedo e o mais adiante possível no terreno. O grupo será liderado por David Luiz, capitão na ausência, por castigo, de Thiago Silva, e que, fosse isto um concurso de misses, levava a faixa da simpatia. David Luiz também foi considerado o melhor jogador da primeira fase do torneiro e, com o golo de livre que marcou contra a Colômbia, encabeça essa ideia de que, com garra e querer, o título é alcançável apesar – ou por causa – da terceira vértebra fraturada de Neymar.
Prolongamentos, um género à parte
Quando o jogo se estende além dos noventa minutos é como se, de repente, mudasse a qualidade da imagem. O prolongamento tem outra fotografia e os acontecimentos desvelam-se com outro fôlego. Em vez do rigor geométrico dos corpos aplicando rigorosamente a tática, há jogadores perdidos em terra de ninguém, erráticos como zumbis, enquanto outros correm ensandecidos para o contra-ataque, esmifrando o derradeiro impulso dos pulmões, sentido o ardor nas coxas, os gémeos em chamas, galopando em delírio, mas tantas vezes exaustos e desfocados, incapazes da ver uma desmarcação e falhando a miragem da baliza.
No prolongamento há momentos de tédio pastelão, guarda-redes que demoram a colocar a bola em jogo, faltas repetidas e bolas em chuveiro, mas sem perigo, para a área. Esse aborrecimento é por vezes interrompido com uma arrancada que pode mudar tudo. Claro que num prolongamento há sempre um poste, uma perna de última hora que tira a bola em cima da linha. Antes de um golo há que penar, viver em sobressalto. Um prolongamento não tem uma narrativa previsível, depende-se ainda mais do acaso, até porque os protagonistas saem dos seus papéis a qualquer momento e desmoronam-se na relva, com esgares de tortura, puxando a ponta das chuteiras a fim de desativar mais uma câimbra.
Além disso, os prolongamentos – e refiro-me apenas em situações em que não esteja a jogar a nossa seleção – são uma espécie de preliminares. À medida que se aproxima o final dos trinta minutos, desejamos mais e mais uma conclusão por penáltis. Chegamos a torcer para que, nos derradeiros momentos, ninguém marque e nos prive do êxtase prometido dos pénaltis. De certa maneira, ainda mais agora que faltam apenas quatro jogos, os prolongamentos são uma forma de alongarmos um pouco mais aquilo que está prestes a terminar. O excesso antes da fome.
Segunda de ressaca
A meio da manhã, os gringos bebiam mais água do que cerveja nas mesas de um quiosque no calçadão. Tinham o ar despenteado de quem acordara havia pouco e o inchaço provocado pela escassez de sono e a fartura de álcool. Estavam tranquilos e conversavam em voz baixa. Fumavam cigarros, lambidos pelo salitre, e, com o sol escondido atrás de uma nuvem, emanavam uma certa melancolia, faziam supor o oco esgravatado que sentimos no último dia de férias, o frio no estômago apesar dos sorrisos e da postura “valeu a pena, mesmo que esteja a acabar.”
Eram franceses, mas apenas um vestia a camisola da seleção. Os outros tinham ar de quem se livrara da farda oficial da Copa e, com a França eliminada, haviam passado um fim de semana a experimentar aquilo que cidade do Rio de Janeiro tinha para lhes dar. Mesmo jovens, o danos da boa vida manifestavam-se nas caras mal dormidas e na forma como comunicavam apenas ocasionalmente, cansados e contemplativos, rindo sucintamente de uma piada até que o silêncio regressava e, sem que ninguém o dissesse em voz alta, todos voltavam a pensar que as férias e a Copa estavam a acabar.
Como eles, estive em muitos finais de férias, com amigos, e conheço bem esse temor em regressar à vida de todos os dias – tudo o que ficou por fazer e a morrinha do inadiável regresso, a certeza de que a nossa vida até podia ser sempre assim, como nas férias, e a constatação subsequente de que tal vida, a longo prazo, seria inviável, se não por falta de sentido pelo menos, sejamos honestos, por falta de coragem. Todo o final traz uma mudança de espíritos. E nada mais humano do que antecipar o final de algo de que gostamos. Pela forma melancólica como os franceses olhavam para o mar e fumavam os seus cigarros, eu diria que, depois do Rio, vai ser difícil voltar a viver em França nas próximas semanas.
Mamãe, tô no telão, parte 2
Já aqui registei a nossa apetência, enquanto seres vorazmente mediáticos e egotistas, para sermos parte do espetáculo das transmissões televisivas. Difícil será aparecer naquele ecrã gigante sobre as bancadas, onde também os craques são protagonistas, e não reagir ao impacto de ver a nossa própria cara em formato colossal, ou esquecer que, caso estejamos a palitar os dentes no momento em que a câmara nos escolhe, o planeta poderá ver os despojos de uma sandes de carne assada entre os incisivos lascados. Todos temos vaidades e manias, e se o Tamagochi e a Macarena convenceram milhões para depois desaparecerem, porque não esperar apenas que a Copa acabe e, entretanto, classificar os diferentes tipos de estrelato fugaz:A miúda gira que não reage porque que quer ser cool
Sabe que está no ecrã, mas não dá sinais. Chega a olhar para cima e a verificar se a sua beleza está em ordem e se fica bem em formato de cinema, mas, tal como a garota que, na festa de garagem, atirava com o cabelo para trás do ombro com o desprezo das inalcançáveis, a bonitinha do ecrã gigante olha adiante sem dar parte fraca.
A mascote nacional
Um tipo com uma boina e uma baguete, um samurai, uma mariachi, um Maradona ou até um campino ou um holandês de socas. É importante que a nacionalidade do sujeito seja facilmente identificável. Melhor se o indivíduo estiver todo pintado e a tocar um instrumento musical com um bombo ou uma corneta.
O “estar num ecrã” não me chega
Os que tentam tirar fotos a si mesmos enquanto aparecem no ecrã.
O “não fui a tempo”
O mais clássico, aquele que, ao dar-se conta que está no ecrã, tenta reagir ou avisar os amigos, mas, assim que se mexe, é tirado do ar. Quem é que disse que eram 15 minutos? Isso era antes da fibra ótica. Agora, para se alcançar a fama, é preciso ter os reflexos do Mr. Miyagi e o permanente sentido de palco de Cristiano Ronaldo.