A morada de Anthony Esteban Weijl era o mar – a vida, desde a primeira hora, nunca lhe impôs âncoras. Filho de mãe belga e pai holandês, Anthony nasceu em Barcelona, Espanha, em abril de 1970. A infância foi vivida com a mãe – os seus pais separaram-se tinha ele apenas um ano –, mas, dos tempos de criança, guarda as melhores recordações dos momentos em que o pai o levava, pela mão, a passear no barco da família. Nas águas do Mediterrâneo, moldou um “temperamento calmo”, como descrevem as autoridades.
Apaixonado pelo “grande azul”, Anthony estudou na Marinha Mercante, apesar de não ter completado os estudos a nível superior. Em Barcelona, com o olhar perdido no horizonte, aprendeu o suficiente para se dedicar à construção e reparação de barcos, atividade a que passou a dedicar-se a tempo inteiro. Nos intervalos, por lazer, não perdia a oportunidade de participar em provas náuticas, enfrentando as ondas.
Lançou-se ao trabalho aos 23 anos. Primeiro, como marinheiro em embarcações de luxo, ao longo de quatro anos. A seguir, fez-se sócio de uma empresa de aluguer de barcos, que manteve em funcionamento por uma dúzia de anos. Aos 40, Anthony criou uma nova sociedade, abrindo uma casa dedicada à construção e manutenção de barcos. O negócio funcionou durante 10 anos, até que decidiu vender a empresa, corria o ano de 2020.
Com dinheiro na mão, Anthony quis mudar de vida – radicalmente. Comprou o seu próprio veleiro, que batizou de Mobasi, uma embarcação de recreio com cerca de 16 metros de comprimento. O sonho passava por “viajar por vários locais do mundo”. Em 2021, com 51 anos, Anthony estava casado com uma cidadã brasileira (desde 2015) e tinha uma filha única (hoje com 26 anos), fruto de um relacionamento anterior. As residências fixas eram em Tarragona (100 quilómetros a sul de Barcelona) e no Brasil. Era hora de se lançar à aventura. Nessa altura, ninguém poderia imaginar a borrasca que se aproximava.
Vigiado pelas autoridades
Durante os dois anos seguintes, Anthony não teve morada certa e residia no seu veleiro. Nesse período, viajou sozinho, deixando para trás o Mar Mediterrâneo, atravessando o Oceano Atlântico, em direção a sul, rumo ao Pacífico; passou pelas regiões da Argentina e do Chile. Para subsistir fazia “alguns trabalhos de reparação de barcos em regatas”, que ocorriam nos locais em que aportava. No início de 2023, permaneceu “dois a três meses no Brasil”, onde se dedicou “à reparação de um veleiro que participava numa regata”. O salário, por estas tarefas, era incerto e variável, mas Anthony garantia ganhar uma média entre os €2 500 e os €5 000/mês.
A vida aparentemente pacata de Anthony, viria a revelar-se uma fachada. No dia 29 de maio de 2023, o veleiro Mobasi partiu do Suriname. A bordo, Anthony seguia sozinho, como habitualmente – desconhecia, porém, que as autoridades já vigiavam de perto todos os seus movimentos.
No âmbito de informações da norte-americana DEA [Drugs Enforcement Administration] e dos franceses da DNRED [Direction Nationale du Renseignement et des Enquêtes Douanières], também com o apoio do MAOC-N [Maritime Analisys and Operations Centre – Narcotics], a Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE) da PJ foi alertada.
Anthony cumpria nova travessia Atlântica, e o destino final seria Portugal. As autoridades acreditavam que o Mobasi (com pavilhão da Polónia) viajava carregado com “uma grande quantidade de cocaína”. O holandês aventureiro estaria ligado ao narcotráfico?
€34 milhões em cocaína
Eram 03h05 da madrugada do dia 31 de maio de 2023. Anthony navegava em mar alto, ao largo da costa portuguesa. A UNCTE/PJ desencadeou, então, a designada “Operação Mónaco”, que contou com o apoio da Marinha. Uma unidade de homens daquele ramo das Forças Armadas abordaram, a essa hora, o veleiro suspeito, tomando rapidamente o seu controlo. A embarcação seria escoltada até à base naval do Alfeite, em Lisboa.
Horas depois, já com o sol a pino, inspetores da PJ haveriam de encontrar, dissimulada no interior do veleiro, uma tonelada de cocaína (cloridrato de cocaína), no valor de quase €34 milhões. As autoridades apreenderam ainda quantias em dinheiro e criptomoedas que terão servido para pagar a Anthony o transporte daquela mercadoria. O holandês ficou preso, naturalmente.
Anthony foi levado, de imediato, para a prisão anexa à sede da PJ, na Rua Gomes Freire, em Lisboa. Desde fevereiro deste ano, o holandês vive no Estabelecimento Prisional de Caxias, trabalhando no bar daquela cadeia. As autoridade garantem que o recluso tem adotado “uma postura adequada” atrás das grades.
Anthony Esteban Weijl, hoje com 54 anos, ficou agora a saber que vai permacer naquela morada por mais algum tempo. O holandês foi condenado, pelo Tribunal Central Criminal de Lisboa, a uma pena única de nove anos e seis meses de prisão efetiva, pelos crimes de tráfico de estupefacientes agravado e associação criminosa. Após cumprir a sentença, Anthony vai ficar proíbido de entrar Portugal, por outros sete anos.