O Tribunal Administrativo de Lisboa confirmou, esta sexta-feira, a decisão da Câmara de Lisboa de proibir a manifestação anti-islão, prevista para amanhã (sábado, 3), nas zonas do Martim Moniz e da Mouraria, em Lisboa. O tribunal decidiu declarar improcedente a intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias interposta por Mário Machado, mas o neonazi português anunciou que a marcha vai mesmo realizar-se noutro local.
No canal do Telegram do Grupo 1143 – através do qual foi preparada esta ação –, Mário Machado divulgou que, “precavendo” a decisão do tribunal, “notificou, no início da semana, a PSP e a Câmara de Lisboa” para a realização da manifestação “de forma definitiva”, que vai decorrer entre o Largo Camões e a Câmara de Lisboa. O neonazi apela a que “todos os patriotas” marquem presença no Chiado, a partir das 18h00.
O acórdão do tribunal, a que a VISÃO teve acesso, considera que “o direito à manifestação não é absoluto, podendo as autoridades administrativas impedir a realização de manifestações cujo fim seja contrário à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas ou à ordem e à tranquilidade públicas”. Os juízes do Tribunal Administrativo de Lisboa destacam ainda que nas zonas do Martim Moniz e da Mouraria vive uma comunidade estrangeira “com especial incidência do sudoeste asiático” e com “clara predominância” do Bangladesh, que professa maioritariamente a religião islâmica”, não permitindo que se realize, naquele local, uma ação que é “contra a islamização da Europa”.
Entretanto, o Expresso adiantou, esta sexta-feira, que “a PSP vai barrar a entrada nas ruas interiores do Martim Moniz e da Mouraria”, para onde estava inicialmente marcada a marcha da extrema-direita. “O objetivo da polícia é evitar que os elementos do grupo liderado por Mário Machado entrem pelas zonas de habitação e “provoquem e atemorizem” os imigrantes que ali residem e trabalham”, adianta o semanário.
Marcha de ódio
A ideia para a realização desta marcha do ódio começou há cerca de três meses. A 17 de outubro de 2023, Mário Machado anunciava, nas redes sociais, o seu novo projeto: o Grupo 1143 – que recupera o nome do extinto grupo de apoio ao Sporting, que, em 2001, ajudara a fundar (e se tornaria viveiro de neonazis, utilizado para recrutar elementos para os Portugal Hammerskins e a Frente Nacional), que a VISÃO já recordou –, tendo em vista a organização de uma manifestação anti-islão.
Entre novembro e dezembro, Machado organizou encontros em Évora, Sintra e Porto, que contaram com a presença de dezenas de pessoas. No dia 12 de dezembro doi ano passado, o neonazi revelava a intenção de realizar uma manifestação “contra a islamização da Europa”, seguindo exemplos de países como Bélgica, Países Baixos, Polónia ou Reino Unido. O percurso era uma provocação. “Vamos demonstrar aos traidores que nos governam desde o golpe de 1974 que existem portugueses que não querem alterar o seu modus vivendi, nem estão dispostos a sacrificarem mais mulheres no altar do multiculturalismo”, escreveu nas redes sociais.
Ainda em dezembro, Machado publicou um vídeo em que mostrava como “estava a preparar as coisas”. O neonazi comprou material em lojas de bricolagem e exemplificou como “preparar cartazes” com símbolos anti-islão e patriotas. Alguns deles exibiam a famosa caricatura do profeta Maomé, da autoria do dinamarquês Kurt Westergaard (falecido em 2021), que, em 2006, causou violentos protestos entre muçulmanos de todo o mundo – e aos quais está associado o atentado terrorista no jornal satírico francês Charlie Hebdo, que, em 2015, causou a morte de 12 pessoas.
Ansioso por atenção, o Grupo 1143 espalhou cartazes anti-islão e de promoção da manifestação em várias cidades de Portugal, incluindo numa faixa onde se podia ler “Stop Islam”, colocada num viaduto da 2.ª Circular, artéria central da capital portuguesa. Vários grafítis com o número “1143” já tinham aparecido, nestes últimos meses, em diversos locais do País. Machado reuniu material pirotécnico para compor o número.
A resposta tem sido dada por coletivos antirracistas e antifascistas, que publicaram a carta aberta “Contra o racismo e a xenofobia, recusamos o silêncio”, com o objetivo de travar a manifestação. O documento foi assinado por mais de 6 500 pessoas e apelava ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e ainda aos responsáveis pelo Parlamento, ao Tribunal Constitucional, ao ministro da Administração Interna e à procuradora-geral da República para travarem a marcha extremista. Ao mesmo tempo, foi agendado um evento para “celebrar o multiculturalismo” nas proximidades da manifestação (no mesmo dia e à mesma hora). O Bloco de Esquerda também pediu ao MAI, à PSP e à câmara de Lisboa para “tomarem medidas”.
Pressionada pela opinião pública, a autarquia de Lisboa anunciou que “não autorizava a manifestação”. Carlos Moedas tornou-se o novo alvo dos extremistas. O Tribunal Administrativo de Lisboa confirmou a decisão, mas a extrema-direita acabou por encontrar alternativa.
Noticia atualizada, às 19h00, com parte do conteúdo do acórdão do Tribunal Administrativo de Lisboa.