O luso-brasileiro Leonardo Serro dos Santos foi detido no Dubai, Emirados Árabes Unidos, no início de novembro de 2022, apontado como o líder do Primeiro Comando da Capital (PCC) – a maior e mais perigosa organização criminosa da América Latina – em Portugal, mas uma investigação da Polícia Federal brasileira concluiu que, afinal, este homem, com residência em Parede, Cascais, desde 2018, pertencia a uma outra organização criminosa brasileira, que se dedicava a traficar cocaína sul-americana para a Europa, através dos Países Baixos e da Bélgica.
A investigação teve início em junho de 2020, a partir de um relatório da norte-americana DEA [Drug Enforcement Administration], que indicava que uma empresa sediada na Polónia, fundada em 2016, para distribuição de frutas e hortaliças, estaria, na verdade, a ser “utilizada por traficantes internacionais de drogas, para realizar o transporte de grandes carregamentos de cocaína do Brasil para a Europa”.
Do grupo – consituído por sete elementos-chave –, fazia parte Leonardo Serro dos Santos, de alcunha “Carioca”, que, segundo os relatórios policiais, a que a VISÃO teve acesso, era “o principal articulador do grupo, responsável pela logística de transporte e embarque dos carregamentos de droga, negociando pagamentos a motoristas e guardas portuários, tratando inclusive desde os fornecedores até os compradores no destino final, o continente europeu”.
Ao contrário do que acreditavam, até agora, as autoridades portuguesas, não era junto do PCC (de São Paulo) que este luso-brasileiro se fornecia do produto que traficava, cocaína oriunda de países como Colômbia, Bolívia e Perú (os principais produtores deste estupefaciente no mundo), mas do Comando Vermelho (CV), organização criminosa oriunda do Rio de Janeiro, e grande rival do grupo paulista – mais uma ‘dor de cabeça’ no combate ao narcotráfico em Portugal?
Segundo a investigação, Leonardo Serro dos Santos, 47 anos, negociava diretamente com o traficante Rodrigo da Silva Caetano, conhecido como “Motoboy”, líder da fação do CV na favela Nova Holanda. E assim trabalhou durante anos.
A ‘nova vida’ em Portugal
Natural do Rio de Janeiro, Leonardo Serro dos Santos viajou pelo mundo. Os relatórios da Polícia Federal brasileira indicam que este homem “realizou 56 registos de movimentação (entrada/saída) do país [Brasil]”, entre 2011 e 2019. Os principais destinos identificados são Portugal, Espanha, Panamá, Colômbia e Emirados Árabes Unidos (Dubai).
Quando regressava ao Brasil, passava largas temporadas em Balneário Camboriú, localidade turística no estado de Santa Catarina, escolhida como destino de férias – para repouso e diversão – pela classe média-alta brasileira.
Em quatro ocasiões, visitou Portugal. Mas a partir de 2018 escolheu o país – que também é o seu, por nacionalidade – para se instalar com a sua família (mulher e filho recém-nascido), adquirindo uma moradia em Parede, no município de Cascais.
Em Portugal, tornar-se-ia sócio único de uma empresa de gestão de carreiras desportivas, com sede em Cruz Quebrada-Dafundo, no concelho de Oeiras – sem qualquer atividade conhecida ao longo destes três anos. Ainda assim, continuou a cruzar regularmente o Atlântico, justificando esse facto com os negócios que mantinha no seu país-natal e outros.
Sem rendimentos declarados, Leonardo Serro dos Santos não escondia, nas redes sociais, uma vida de luxos, posando em viagens, com roupas caras ou conduzindo carros de alta cilindrada, quase sempre na companhia da mulher.
Passados quatro anos, em janeiro de 2022, decidiu abandonar Portugal, fixando morada no Dubai (mantendo, porém, a residência em Parede).
O ‘início do fim’ na organização
A investigação da Polícia Federal brasileira ‘coloca a nu’ as causas que afastaram Leonardo Serro dos Santos de Portugal… e da própria organização a que pertencia. Segundo os relatórios, consultados pela VISÃO, as autoridades brasileiras acompanharam, a par e passo, durante, pelo menos, dois anos, as atividades do luso-português, conseguindo, através dos dados recolhidos, levar a cabo duas operações de grande porte, que permitiram travar o negócio e apreender grandes quantidades de droga, em dezembro de 2020.
No dia 14 de dezembro desse ano, uma operação policial permitiu apreender 220 quilos de cocaína, encontrados num camião, que circulava numa avenida do Rio de Janeiro; no dia 23 desse mês, foi a vez de serem apreendidos 450 quilos de cocaína, no porto daquela cidade. Estes carregamentos tinham como destino os portos de Gioia Tauro, na Calábria (Itália), e de Antuérpia (Bélgica) – o cerco ao “responsável pela logística de transporte e embarque dos carregamentos de droga” já não poderia mais ser ignorado.
Perante estes avanços, o papel de Leonardo Serro dos Santos passou a ser colocado em causa pela própria organização criminosa a que pertencia. No dia 11 janeiro de 2021, uma reunião de líderes, realizada num restaurante do Rio de Janeiro, acompanhada, à distância, pela Polícia Federal brasileira, confirmaria “a insatisfação com os serviços” do luso-português, a quem passou a ser assacada “uma dívida de dois milhões de dólares, além de valores sobre o carregamento de drogas e um possível novo embarque”, pelas cargas perdidas.
A fuga para o Dubai
Fonte da Polícia Federal brasileira confirma, à VISÃO, que a fuga de Leonardo Serro dos Santos para o Dubai estará, muito provavelmente, relacionada com “a consciência de estar a ser investigado” pelas autoridades, mas também será uma forma “de ganhar tempo para pagar a dívida” que ainda é reclamada pelos ‘donos da droga’.
Naquele emirado, Leonardo Serro dos Santos continuou a ser monitorizado. E, no início de novembro de 2022, foi preso pela Interpol, na sequência de um pedido das autoridades brasileiras, suspeito de ser um dos chefes da principal rede internacional de tráfico de drogas a operar entre o Brasil e a Europa, através de Portugal.
Na altura, em declarações à VISÃO, a mulher de Leonardo Serro dos Santos, identificada como J.S., e o seu advogado, Klaus Luchtenberg – um brasileiro radicado em Portugal –, negaram, na altura, todas as acusações ou qualquer ligação deste homem ao crime organizado e ao tráfico de drogas.
Mantido em prisão preventiva, durante 45 dias (período limite para esta medida de coação naquela cidade), seria libertado, depois de expirado o período legal para as autoridades brasileiras apresentarem um pedido formal de extradição. Hoje, permanece em liberdade naquele território.