Das suas resoluções de ano novo faz parte a adesão ao Veganuary? Este movimento, criado no Reino Unido, desafia o mundo a deixar a carne e os derivados de animal fora do prato, pelo menos durante janeiro, o mês de todos os começos. No site, há muito material de apoio para se dar o salto – um salto que se espera seja acompanhado por muita gente, no ano que aí vem.
O aumento dos casos de quem já não é omnívoro tem, pelo menos, uma década. Mas nunca como agora a consciência geral esteve tão desperta para a questão dos recursos naturais. De acordo com um estudo da consultora Nielsen, nos últimos dez anos o número de vegetarianos em Portugal quadruplicou. Serão atualmente cerca de 120 mil, o que corresponde a 1,2% da população. No resto do globo, e segundo a revista Forbes, a história é outra: duas em cada três pessoas estão a reduzir o consumo de carne e a mudar para uma alimentação mais vegetal. É nos Estados Unidos da América (onde o mercado de produtos vegetarianos ultrapassou os 2,5 mil milhões de euros) e no Reino Unido que o processo está mais acelerado, com taxas de crescimento na ordem dos 600 a 700 por cento. Não será por acaso que o canal público BBC vai estrear, em janeiro, o primeiro programa de culinária vegan (Dirty Vegan, apresentado por Matthew Pritchard, um atleta de endurance que segue este regime alimentar). De acordo com um relatório da GlobalData, 70% da população global está a transitar para uma dieta preferencialmente de base vegetariana.
Catarina Gonçalves fez o switch aos 30 anos, antes de isto se tornar mainstream. Há 14 anos, quando ficou grávida da primeira filha, aboliu a carne da sua alimentação, a seguir foi o leite de vaca, o peixe, o queijo e os ovos. “Foi o mais difícil, não há nada que se assemelhe ao sabor dos ovos. No entanto, como me movi pela ética, o paladar e o gosto ficaram em segundo plano”, expõe, sentada em frente a uma saborosíssima massa preta (de carvão, e não de tinta de choco) com cogumelos, que serve no seu mais recente restaurante, o Botanista, em Lisboa. Hoje, vive bem com a sua opção, que nasceu de um olhar mais atento para a forma como o mundo estava a funcionar e de não querer compactuar com isso. Mais tarde, despediu-se da sua vida de engenheira civil e passou para o mundo da restauração. Em 2016 abriu o seu primeiro restaurante vegan. “Foi uma aventura conseguirmos reunir uma tábua de queijos vegetais decente. Hoje, tenho um fornecedor que me manda todo o tipo de variedades”, lembra, constatando como a vida para quem toma esta decisão agora é muito mais fácil. Há dois anos deu-se o boom dos restaurantes, das lojas da especialidade, dos corredores nos supermercados tradicionais, das opções vegetarianas na maioria dos menus.
Carnívoros são os novos fumadores?
André Faria, 32 anos, está a terminar a sua sanduíche de tofu com alface e cenoura, antes de retomar o trabalho de consultor num call center. Prefere trazer o almoço de casa e aproveita os dias bons para se sentar no jardim do Campo Pequeno, às vezes com a mulher, também ela vegan, a degustar a comida. Não precisava de o fazer, porque, ao consultar a aplicação Happy Cow, descobre rapidamente que, no raio de um quilómetro, há 20 opções que poderiam servi-lo – desde lojas a restaurantes vegetarianos, vegan ou com opções para ambos. A Associação Vegetariana Portuguesa (APV) encomendou um estudo a esta empresa tecnológica e descobriu que a oferta, no País, aumentou de 28, em 2008, para 172, atualmente. A tendência é tal que até o McDonald’s lançou, em 2018, o seu McVegan.
Este biólogo de formação fez o caminho dito normal, quando se deixa uma alimentação tradicional. Primeiro, aos 20 anos, na altura em que se mudou de Barcelos para Lisboa para a faculdade, passou a ser vegetariano. “Já tinha isso na cabeça há muito tempo, porque muitas bandas de heavy metal tratam desse assunto nas suas letras, mas não agia por inércia e por falta de jeito para a cozinha”, explica. O que o moveu na altura, e ainda o move hoje, é a questão da exploração animal. Está seguro de que a sociedade ocidental não precisa de recorrer a produtos que causaram alguma espécie de sofrimento para sobreviver. A informação, foi buscá-la à internet e inspirou-se em muitas receitas que lá encontrou para despertar a sua veia culinária. Há três anos que, em sua casa, a base é 100% vegetal. Por enquanto, a filha de 3 anos segue o regime dos pais, devidamente acompanhada por uma pediatra que não é vegetariana. “Cresce bem, está dentro dos parâmetros de desenvolvimento.” Quando for para a escola pública, já nem terá de lutar por uma opção vegetariana obrigatória no refeitório – elas já existem desde o início deste ano letivo.
O sofrimento animal é muitas vezes apontado como o responsável por estas mudanças, mas também existem razões de saúde (um estudo da Universidade de Harvard conclui que haveria uma redução de 30 milhões de mortes caso se passasse para uma dieta maioritariamente vegetariana) ou de caráter ecológico. Aliás, esta última evidência tem deixado muita gente alarmada. A ponto de a ex-funcionária das Nações Unidas, Christiana Figueres, responsável pelo Acordo de Paris sobre o Clima, ter vindo a público questionar: “E se, dentro de dez ou 15 anos, se começar a tratar os carnívoros como hoje se tratam os fumadores?”
Há muitos estudos sobre o tema, mas a controvérsia continua, até porque se sabe de antemão que a indústria alimentar é poderosa. Para os dois lados, evidentemente. Mas é unânime que, eliminando-se o consumo de carne – e se o mundo virasse vegan – se reduziriam em 50% as emissões de gases com efeito de estufa.
O nutricionista Darchite Kantelal, 27 anos, está muito atento a esses estudos que têm vindo a sustentar uma viragem de regime alimentar. No seu caso, nem foram precisas muitas evidências científicas para mudar de uma vida com muito leite e dois ovos por dia para outra estritamente vegetal. Bastou assistir a palestras e a documentários na
internet para se aperceber de coisas que não lhe ensinaram no curso em Inglaterra.
Hoje, auxilia muita gente na mudança – até atletas olímpicos –, que o procura preocupada com o esgotamento dos recursos. “Está provado: para os produtos de origem animal, gasta-se muita água, muita terra e emitem-se muitos mais gases.” Um estudo recente da Universidade de Oxford, que analisou mais de 40 mil explorações agrícolas, em vários pontos do globo, chegou à conclusão de que se optássemos por uma alimentação vegan, seriam precisos menos 76% de hectares e reduzir-se-iam em 73% as emissões de gases com efeito de estufa.
Uma questão geracional
Os millennials são a geração que já não dorme perante as evidências. E até são responsabilizados por este aumento no número de adesões a uma dieta mais consciente, no mínimo sem carne. Carolina Ribeiro, 21 anos, é exemplar. Aos 18, largou a casa dos pais nas Caldas e mudou-se para Lisboa para estudar Gestão. Ao mesmo tempo, quis deixar de se sentir culpada, movida pelo seu comprometimento ambiental. “Não é sustentável para o mundo comermos carne e peixe.” Desde então, define-se como vegetariana a 95%, porque de vez em quando ainda come produtos do mar. “Quero comer de forma sustentável e muitas vezes optar por tofu pode ser pior do que escolher um peixe. Tudo depende da situação. A comida embalada vegan, por exemplo, produz muito lixo.” Carolina compra essencialmente local, vegetal e a granel. Ovos, só quando visita a avó, no campo.
Na casa onde vive, com mais quatro pessoas, só um não é vegan, mas come muitas vezes do mesmo que os companheiros de habitação: risotos, massas, salteados de legumes, caril, receitas brasileiras, chinesas, indianas. Na casa das Caldas, é mais difícil provocar mudanças. Já conseguiu que a mãe reduzisse o consumo de carne e provasse muitas receitas vegan. E o pai, quando a visita em Lisboa (e à irmã, que também segue o mesmo padrão alimentar), leva-as aos restaurantes onde a carne e o peixe ficam à porta. “Não me vejo como uma fundamentalista, a sacrificar a minha vida pelo bem do mundo. Antes pelo contrário, sinto-me com muito mais energia, perdi peso e nunca mais tive dores de cabeça nem inchaços.”
Maria Ana, 22 anos, não conhece Carolina, mas têm muitos pontos em comum. Maria também largou a comida de origem animal há dois anos e tem adorado a opção. Começou pelo amor que sente pelos animais e acabou nos benefícios de saúde: “Estava sempre doente. Comer mais vegetais e menos processados foi uma salvação para mim.”
Em 2019, a Comissão Europeia irá iniciar o processo legislativo para definir quais os alimentos vegetarianos e veganos, no que diz respeito à rotulagem. Em grandes feiras como a Expocosmética ou a So Food So Good (que dedicou três dias, na Exponor, ao veggie) já se apresenta a tendência vegan e cruelty free. Na comida, como nos produtos de beleza e na roupa, o veganismo é uma maneira de estar na vida, que recusa todo o tipo de consumo que possa ter causado sofrimento animal. E a indústria não fica a dormir – adapta-se.
Descubra as diferenças
Um ovolacto-vegetariano – a que vulgarmente apelidamos de vegetariano – diz não ao peixe e à carne, mas come leite e seus derivados (queijo, manteiga ou iogurtes) e ovos.
Um vegano diz não ao peixe e à carne, ao leite e seus derivados, aos ovos e a tudo o que contenha vestígios de animais – essa preocupação pode estender-se à roupa e aos produtos de higiene.