Há elementos que não se misturam: a água e azeite, a água e a areia e as propostas do Chega e da Il. Quem assistisse ao debate e não conhecesse os debatentes, veria dois programas inconciliáveis, duas visões antagónicas, dois opostos absolutos. Nunca identificaria os oponentes como provindos de uma área ideológica supostamente vizinha. A água não se mistura com o óleo, mas a oratória incontinente de André Ventura espalha-se como uma mancha sobre a mesa do debate. É muito curioso observar a técnica do líder do Chega. Começa de forma moderada e procura adormecer o adversário com um tom conciliatório inicial: “Liberdade de escolha na Saúde? Aqui até acho que estamos de acordo…” Ventura critica o estado do SNS mas não tem propostas concretas. Rui Rocha, apresenta uma ideia, concorde-se ou não. Até aqui, relativamente morno. De repente, porém, Ventura dá um golpe, depois outro e a ideia é, agora, atordoar o adversário. Quando se discute a imigração, Rui Rocha faz protestos de ser insuspeito de admitir que ela possa ser descontrolada. Quem leu as propostas da IL, em 2024, confirma. Mas Ventura não se lembra nem se quer lembrar. E passa à habitual tática de colocar na boca do adversário palavras que ele não disse, tendo a arte de convencer o eleitor incauto de que ele as disse mesmo. Ventura vê aqui uma oportunidade de colocar o adversário à defesa. Rui Rocha está quase a ceder mas, subitamente, evita o ippon: “A ideia das quotas do Chega é estatizante! E os imigrantes que fazem os seus descontos devem ser admitidos no SNS!”
Ventura tenta outra manobra: “Se houver uma maioria de direita, só não governamos se não quisermos.” Aceita, portanto, governar com o “novo Sócrates”, que colocou em cartazes, ao lado do antigo… O “nunca é nunca” passa a “nunca pode ser já a seguir”. E confronta Rui Rocha: “Permite que o PS governe ou junta-se ao Chega? Posso contar consigo?”
Mas Rui Rocha é uma enguia. Tintim por tintim, explica porque não tem a mínima intenção de se juntar ao Chega em govemo nenhum. Inteligentemente, evita argumentos ideológicos ou morais, nunca fala de xenofobia ou racismo, mas desmonta uma a uma as propostas do Chega: porque são socialistas; porque são estatizantes; porque conduzem à bancarrota. A divergência é programática. A IL é liberal, defende a livre iniciativa. O Chega é mais Estado e mais despesa. Não governa com um partido assim.
Ventura esbraceja, mas não tem resposta para isto. Choraminga que a IL não serve para nada: é “um andarilho do PSD”, que, aliás “está em coma”. Procura, assim, frases de efeito, mas não responde à substância do contra-ataque. E acaba em desespero, quando leva um bailarico de Rocha, em matéria de tarifas aduaneiras – que Ventura quer ver aplicadas na Europa e que, como explica o líder da IL, aumentariam os valores dos preços de supermercado da cábula que Ventura trouxe para o debate. E desafia o líder do Chega a explicar a várias camadas de eleitorado que anda a namorar, como os agricultores e produtores de vinho, onde, numa guerra de tarifas, colocariam os seus produtos. Por esta altura, Rui Rocha vence claramente.
Parece karma. A experiência do Chega com os oponentes da IL é amarga. Foi assim, nas presidenciais, com Tiago Mayan Gonçalves. Foi assim com Rui Rocha, em 2024, como tinha sido antes, com Cotrim de Figueiredo. Há qualquer coisa que emperra Ventura com estes liberais que falam “do alto das suas gravatas” – coisa que, por exemplo, Cotrim raramente usava. A IL é a kriptonite de André Ventura.
Momento Sérgio Godinho
“Habitação, saúde, educação…” (Rui Rocha)
Juramento de Bandeira
“Nunca, jamais, em tempo algum viabilizaremos um governo do PS” (Rui Rocha)
Provocação mazinha
“O Chega tem uma visão socialista” (Rui Rocha)
Processo Revolucionário Em Curso
“A IL quer as privatizações selvagens!” (André Ventura)
Estudasses!
“Eu sei o preço dos ovos!” (André Ventura, puxando por uma cábula…)
Momento Autoridade Tributária
“As tarifas são o IV – Imposto Ventura” (Rui Rocha)
Momento o teu vilão é pior do que o meu
“Donald Trump? O ídolo do Rui Rocha é o [Javier] Milei…”