Não é novidade para ninguém que no campeonato da mobilização nas arruadas, nas campanhas eleitorais, a CDU está sempre na fila da frente. Se se juntar a isso o facto desta coligação de comunistas e verdes ter descolado ligeiramente na última sondagem, conhecida esta quinta-feira, talvez se perceba também a adesão e a receptividade popular que o líder do PCP recebeu, durante a manhã, nas ruas de Queluz.
Refira-se: parece um outro Paulo Raimundo, em comparação com o de outras situações em que a VISÃO já o acompanhou, desde que chegou a secretário-geral dos comunistas. Mais confiante, sem dúvida, até porque o grau de notoriedade é agora maior. Mas, como sentiu necessidade de sinalizar, sem “ser fanfarrão”. Acima de tudo, tão empático que é com ele que as pessoas vão ter, para lhe exporem problemas e apelarem por soluções. E isso aconteceu, esta manhã, naquela freguesia de Sintra, de 79 mil habitantes, com o comunista a mostrar-se tão à vontade, que até expõe pormenores da sua vida pessoal.
Quando faltam oito dias para o final da campanha eleitoral, Raimundo também deixou uma mensagem política para Pedro Nuno Santos, de quem diz que lhe “roubou” (assumidamente) a expressão “choque salarial”: algumas das medidas mais emblemáticas da Gerigonça da autoria do PCP, como a universalização gratuita das creches e os passes intermodais a €40, não precisaram de “nenhum acordo” escrito, como o de 2015. “O PS não queria. [Mas] Foi a força que o povo deu à CDU que obrigou o Partido Socialista a ir a estas medidas”, disse.
Um consultório jurídico de rua. Os pais e os filhos de Raimundo
Tinha a arruada de Raimundo acabado de começar, quando uma idosa muito chorosa o interpelou. O seu caso é intrincado: o marido morreu-lhe, mas a pensão de viuvez não vem. Razão? “Então, a Segurança Social não me quer dar atenção, porque o meu marido, é assim: nasceu cá, era português, trabalhou cá, tem os descontos cá. Só que o pai era espanhol, ele não queria ir à Guerra [Colonial], antes do 25 de Abril; agora estão só a pôr entraves. O meu filho está farto de se mexer. Já lá vão quatro meses e não me querem pagar nada”.
Raimundo conta que aquele caso é semelhante ao de “um camarada” – só que a dupla nacionalidade adquirida foi holandesa -, pede o contacto do filho da idosa e deixa-a com o apoio jurídico de uma dirigente comunista, que segue ao seu lado. “Ó Paula, anda cá”, estabelece, logo ali. Já antes, dentro de uma loja, ouviu “não tenho médico de família.” Numa fração de segundos, o comunista levantou as sobrancelhas e atirou: “Já somos dois”.
Para os jornalistas da VISÃO, que na quarta-feira acompanharam a caravana socialista em Leiria numa (para lá de) tímida arruada, com Pedro Nuno Santos em passo acelerado, se tivesse de se se estabelecer um ranking de mobilização nas ruas durante esta campanha, esta, de Paulo Raimundo, seria uma das que constariam no topo. Mas o líder do PCP tenta desvalorizar o facto que entra pelos olhos dentro. “Depois deste contato [arruada], as pessoas ficam a refletir. Não é possível dizer que todas as que contactei vão votar na CDU. Isso não é possível dizer, até porque era um bocadinho… Seria fazer algo que não sou: ‘fanfarrão’“, defende.
De metros em metros, outros casos e problemas expostos. Numa das situações, perante uma mulher cigana, que alude ao discurso xenófobo do Chega (apesar de não ter dito o nome desse partido), Raimundo evitou polemizar as declarações de Ventura. Já um outro caso faz o comunista abrir o peito, quando em causa estava quem lhe expõe a falta de vagas nas instituições de solidariedade social, que têm creches financiadas pelo Estado. “Vou lhe dizer uma coisa – que ninguém está a ouvir: se há matéria sobre a qual sou muito sensível é o problema das crianças e dos pais com crianças. E não é por ter 3 filhos; não é por isso. É porque cresci numa geração, numa situação muito particular – os meus pais não puderam dar tudo aquilo que precisavam dar aos filhos; deram tudo o que puderam, mas não puderam dar tudo. Acho que a gente não está destinada a isso. Estamos destinados a criar as melhores condições possíveis para as crianças crescerem felizes, crescerem com espaço, os pais terem tempo para poder usufruir do crescimento das crianças. Portanto, conte conosco”, disse, com voz embargada, numa linguagem simples que parece ser a sua mais valia no contacto com a população.
Partido (ainda) é de protesto
Logo no início, confrontado com a notícia do jornal Público, que avançou o fim das cirurgias ao cancro da mama, a partir de abril, em sete unidades locais de saúde, o secretário-geral do PCP lamentou que se “o PS diz num dia [uma coisa] e no dia a seguir o Ministério da Saúde encerra sete ou oito valências de cirurgia de cancro na mama”. “É isto que está a acontecer e não pode continuar assim”, referiu.
Depois, no final, e já depois de desvalorizar os dados da última sondagem, Raimundo tentou refrear, talvez, os seus próprios ânimos, perante a mobilização sentida, e repetiu o que dissera logo no início da arruada: “a simpatia que vemos na rua nem sempre se traduz em votos. É verdade. Sempre foi assim e assim há de continuar. Mas há uma coisa que sabemos – por cada contato, por cada conversa e por cada esclarecimento que fazemos, há mais gente em melhores condições de refletir e, nalguns casos, de dar confiança a esta força do trabalho, soluções e protesto”.
Para o PS, que continua a surgir em segundo lugar nas sondagens atrás da AD, Raimundo mandou um recado: duas das medidas mais simbólicas, como o passe intermodal (que surgiu em 2019) e as creches gratuitas (que António Costa deu ao PCP, aquando da discussão do orçamento de 2020), não dependeram dos acordos escritos, exigidos por Cavaco Silva, aos partidos que formaram a Gerigonça.
“Não estava escrito em nenhum acordo. O PS também não as queria. Foi a força, os votos e os deputados que o povo deu à CDU, que obrigaram o Partido Socialista a ir a estas medida, que não estavam escrito em lado nenhum e que o Partido Socialista, por sua vontade, não resolvia”, concluiu.