Carros elétricos, observatórios submarinos, satélites (com revestimento de cortiça, imagine-se)… foi todo um admirável mundo novo que se revelou na visita do Livre ao Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEiiA), em Matosinhos, a primeira paragem do périplo do partido pelo Norte. Nesta terça, 27, o terceiro dia de campanha para as legislativas, tornou-se clara a aposta de Rui Tavares em visitas e encontros estratégicos para expor ideias-chave do programa eleitoral, sem grandes alaridos. Neste caso, quiseram falar de inovação e da economia do conhecimento como centro do novo modelo económico para o País. A solução para virar a página do “Portugal quase lá”, travado pela “política do medo, da descrença, do desânimo, das agendas de curto prazo”, e “mostrar que o Portugal do futuro já existe”, em exemplos como o do CEiiA.
Acompanhado por Jorge Pinto, cabeça-de-lista do Livre pelo Porto, e por uma pequena comitiva, Tavares defendeu a criação de um Centro Nacional de Transferência do Conhecimento, com um modelo interdisciplinar, que ponha em contacto o que se faz nos centros tecnológicos, nas universidades e as pessoas que estão no terreno. “É preciso fazer alastrar estas questões que não beneficiam apenas cientistas, profissionais de pontas, engenheiros, e por aí fora (…). Os satélites que daqui vão lá para cima, ajudam a conhecer o nosso solo e nosso mar e ajudam no terreno agricultores e pescadores”, sublinhou.
Aproveitou ainda a boleia dos temores para falar dos “políticos que estão todos os dias no negócio do medo e querem que os portugueses tenham medo uns dos outros, dos estrangeiros e dos imigrantes… e no entanto, temos aqui (CEiiA) engenheiros turcos a trabalhar com portugueses para lançar satélites portugueses”. Tavares não poupou, aliás, o discurso de Pedro Passos Coelho, no comício da AD em Faro, ao ligar a questão da imigração com a segurança. “Revela uma ignorância muito grande em relação aos dados no terreno, indesculpável para um ex-primeiro-ministro… Somos dos países mais seguros do mundo”, apontou, acrescentando que “é mais fácil encontrar gente com cadastro, suspeita de crimes, alguns deles violentos, nas listas de certos partidos políticos nestas eleições do que entre os imigrantes. A taxa é certamente mais alta e alguém deveria fazer essas contas”.
Embalado pelas críticas, e já que estava em Matosinhos, terra natal de Passos Manuel, uma das grandes figuras do liberalismo do séc. XIX (fundou escolas, bibliotecas, etc), disse concordar mais com a sua estratégia, e menos com a de Passos Coelho. Rejeita, por isso, “um País só de dinheiro fácil, do imobiliário de luxo e do turismo de massas”, preferindo apostar “na valorização das pessoas, do conhecimento e do território, que nos permite estar mais alto na escala de valor”. “Precisamos de salários mais altos são necessários”, reconhece, identificando os “atalhos” propostos à direita como “truques”: “vamos cortar impostos para dar salários mais altos, dizem, mas depois aquilo que ganhamos, pagamos muito mais, porque deixamos de ter serviços públicos acessíveis”.

Foi também a pensar na inovação que, já de visita ao Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), instalado no edifício do Terminal de Cruzeiros de Leixões, Rui Tavares apresentou o Fundo Estratégico da Ciência e Tecnologia, um mecanismo de financiamento permanente do sistema científico, assegurado através dos impostos e de taxas sobre a atividade económica. Uma proposta que iria conferir “uma estabilidade muito grande” às instituiçoes científicas, obrigadas “a pedinchar” a cada novo cilo político. E que, certamente, agradaria a muitos dos cientistas com quem ali se cruzou, presos a vínculos precários. “Tem havido menos investimento nacional em ciência, o financiamento é europeu, não há políticas públicas dirigidas para áreas que interessem mais ao País”, lamentou o candidato às legislativas. O tal País que “está quase lá e depois de dar um passo à frente, dá dois atrás”.
A receita do Livre
De tarde, uma nova (e, mais uma vez, discreta) comitiva do Livre aguardava na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga, para uma conversa sobre mobilidade. “Caminhar é hoje em dia um privilégio para muitos poucos e uma impossibilidade para muitos”, sublinhou Teresa Mota, cabeça-de-lista por este distrito (juntamente com Luís Lisboa), e igualmente porta-voz do partido. No Porto, as sondagens dão como provável a eleição de, pelo menos, um deputado, mas aqui a tarefa será mais árdua – nas legislativas de 2022, conquistaram apenas 3.935 votos em Braga. “Antes éramos apenas uma promessa, agora somos concretização de medidas. Isso faz com que tenhamos um apoio público muito maior”, considera Rui Tavares, que nunca escondeu a prioridade em formar um grupo parlamentar nestas legislativas. “As nossas ideias serão melhor ouvidas quanto mais deputados o Livre tiver na Assembleia da República… é isso que nos dará força à mesa das negociações. Não vale a pena a cantilena do voto útil”, acrescentou.

O Livre, aliás, não quer “uma geringonça dos gabinetes”, prefere antes “uma negociação multilateral, de vários partidos, que envolva também a sociedade civil, com grupos de trabalho de cada setor” – onde possa assumir o papel de representante dos Verdes Europeus, família política que integrou no Parlamento Europeu e corrente descurada, em Portugal, durante décadas.
Em Braga, uma cidade pensada para ser percorrida de automóvel (à exceção do centro histórico), com 1340 quilómetros de estrada e 9,7 de ciclovia, com 235 mil lugares para automóveis e 373 de bicicleta, onde uma pessoa é atropelada a cada três dias – dados fornecidos por Mário Meireles, da organização Braga Ciclável –, Tavares quis falar da criação de um passe intermodal nacional, que “poderá ajudar muitas pessoas a poupar dinheiro, promover a coesão do País, ajudar a salvar o Planeta e a reinvestir na ferrovia”. Uma medida a acrescentar ao Passe Ferroviário Nacional – uma das medidas legislativas sugeridas pelo Livre e aprovadas na anterior legislatura –, cuja cobertura pretendem alargar (de 100 para 250 comboios).
“São ideias realizáveis, que cabem nas folhas de excel, mudanças práticas que melhoram substancialmente a vida das pessoas – essa é a nossa receita”, sublinha Rui Tavares. Com o crescimento do Livre, acredita, esse investimento público seria posto em prática.