As máquinas chegaram ao Bairro de Santa Marta, no Seixal, por volta das 7h30 da manhã de quinta-feira. A essa hora, vários moradores estavam já no trabalho e, por isso, alguns só perceberam que ficaram sem as casas no final do dia. A demolição ordenada pela Câmara do Seixal deixa, segundo o movimento Vida Justa, cerca de 20 pessoas, entre as quais há mulheres grávidas, crianças e bebés, sem um teto. Todos foram, para já, alojados em pensões ou ficaram em casas de amigos, mas Beatriz Lopes, do Vida Justa, queixa-se de falta de planeamento e comunicação com os moradores e garante que demolir as barracas não impedirá as pessoas de voltar a reerguer o que foi deitado abaixo.
“Amanhã as pessoas voltam e pegam nas pedras e ficam lá na mesma, porque a opção é ficar na rua”, diz à VISÃO Beatriz Lopes, explicando que as casas que foram agora demolidas, por estarem num terreno privado, estão numa zona do Bairro de Santa Marta que começou a ser construída nos últimos dois anos.
A crise da habitação, acredita a ativista, está a fazer com que os bairros de génese ilegal que existem há décadas cresçam com construções recentes. “Isso está acontecer noutros bairros de génese ilegal na área metropolitana de Lisboa”, assegura, explicando que quem vem fazer estas novas construções é quem não encontra no mercado casas ou mesmo quartos que consiga pagar.
“Estas pessoas não se importavam de pagar um quarto. Mas não conseguem encontrar nada abaixo dos 300 ou 350 euros. Está muito difícil. E há senhorios que não alugam quartos a casais com bebés”, relata Beatriz Lopes.
Segundo o Vida Justa, os moradores das casas demolidas começaram por ficar sem saber para onde ir, tendo inicialmente sido encaminhados para a Santa Casa, onde lhes ofereceram refeições. Só no final do dia terão ficado a saber que a Câmara do Seixal pagaria quartos em pensões aos que não conseguiram lugar em casa de familiares ou amigos, mas não sabem até quando se manterá essa solução temporária.
Beatriz Lopes diz mesmo que o edital que anunciava a demolição só foi afixado em duas árvores no dia das demolições, 17 de outubro, apesar de estar datado de dez dias antes. Para o comprovar, mostra fotografias onde se vê um papel sem qualquer sinal de ter estado à chuva nestas últimas semanas. Segundo a ativista do Vida Justa, há dias que fiscais da Câmara recolhiam dados pelo bairro, mas os moradores não sabiam a data da demolição.
Apesar das críticas à Câmara do Seixal, Beatriz Lopes sublinha que “este não é um problema apenas desta câmara” e aponta o dedo aos governos que não têm dado às autarquias instrumentos para resolver o problema da habitação.
Apesar de reconhecer isso, lamenta que as autarquias estejam a avançar para demolições, sem antes assegurar que os moradores destas construções têm um teto. “Se a Câmara não consegue dar uma solução, as demolições não devem acontecer. Deve haver outro cuidado nas demolições”, até porque, argumenta, demolir não vai dissuadir quem não tem outra alternativa a continuar a erguer barracas.
Há moradores fechados em casa para impedir demolições
A falta de alternativa, conta Beatriz Lopes, está a fazer alguns moradores do Bairro de Santa Marta ficarem nas casas em permanência, para impedir que sejam demolidas. “As pessoas estão a resistir”. Num dos casos, relata, há uma mulher “que esteve com o Vida Justa na manifestação pela Habitação [a 27 de setembro] que teve há duas semanas um princípio de AVC e faltou a uma consulta para não perder a casa”.
Resistir em casa pode ter um preço elevado. “Nesta situação as pessoas vão perdendo empregos, porque faltam para não deixar as casas vazias”.
“A habitação é um direito básico, universal e constitucionalmente consagrado. O movimento Vida Justa exige soluções habitacionais dignas para os moradores do Bairro de Santa Marta por parte de todas as instituições responsáveis — a Câmara Municipal do Seixal, a Santa Casa da Misericórdia do Seixal e o Governo. Nenhuma família deve ver a sua casa demolida sem ter antes uma alternativa digna e adequada às condições do seu agregado familiar — e, quando essa alternativa não existe, o Estado não pode retirar às pessoas a única habitação que têm. Reiteramos ainda que nenhuma família pode ser separada no meio deste processo, como acontece frequentemente em situações semelhantes”, lê-se num comunicado do Vida Justa.
A VISÃO contactou a Câmara do Seixal para obter mais esclarecimentos, mas ainda não teve uma resposta.