A 22 de dezembro de 2009, por volta das 11 horas, amigos de Rosalina Ribeiro rumaram ao cemitério São João Batista, no bairro Botafogo, do Rio de Janeiro. Era pouca gente, mas, mesmo assim, gente a mais.
Ao velório da mulher de 74 anos, assassinada dias antes em Saquarema, compareceram, também, dois investigadores da equipa Saturno 46, da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Os enlutados foram filmados e as conversas gravadas através de uma microcâmara oculta num exemplar da Bíblia.
Foi a primeira diligência da investigação do assassínio de Rosalina, antiga secretária do milionário Lúcio Feteira, no Brasil. As conclusões do inquérito, conduzido ao longo de quase dois anos, atribuem a Duarte Lima, advogado e ex-deputado do PSD, a autoria do homicídio. As 79 páginas do relato da investigação e do relatório final incluem pormenores até agora desconhecidos. A VISÃO revela o filme completo dos acontecimentos, na versão da polícia brasileira.
O desaparecimento
Rosalina deixou o seu apartamento, no bairro do Flamengo, no Rio, às 19 e 59 do dia 7 de dezembro de 2009, para se encontrar com Duarte Lima. A conversa estaria marcada para o restaurante de luxo Alcaparras, a 350 metros da residência de Rosalina, conforme ela própria comentara com amigas, na tarde desse dia. Porém, as câmaras de videovigilância da zona não registaram a sua chegada ao local combinado. Segundo a polícia, Duarte Lima abordou-a antes, à saída da residência, pouco depois das 20 horas. Rosalina nunca mais foi vista.
No dia seguinte, amigas da vítima contactaram com Normando Marques, advogado de Rosalina no Brasil. Os porteiros do prédio não a viram regressar, na noite anterior, e “a sua ausência, sem se comunicar com as amigas, fugia completamente ao seu modo de proceder”.
Normando tentou falar com o colega português. Sem sucesso. Ligou, então, a Valentim Rodrigues, o advogado que “efetivamente atuava nos processos de interesse da vítima em Portugal”. Lima estaria na Tunísia, regressando dali a alguns dias, assegurou Valentim. Quando Normando conseguiu, finalmente, chegar à fala com Duarte Lima, percebeu que, na verdade, este se encontrava em Hong Kong.
Durante esse breve diálogo, o ex-deputado contou que tinha levado Rosalina a Maricá para um encontro com uma tal Gisele, junto do Hotel Jangada, a pedido da cliente. Os assuntos estariam relacionados com a venda da parte dela da herança Feteira.
Após três dias sem notícias e buscas infrutíferas em hospitais e esquadras, Normando Marques comunicou oficialmente o desaparecimento de Rosalina. Amigos distribuíram um cartaz com a fotografia dela pelo local de residência e arredores. Ao mesmo tempo, Duarte Lima enviava aos investigadores, por fax, a sua versão do encontro com Rosalina.
O cadáver, o enterro e as conversas
Enquanto Normando e os amigos procuravam Rosalina, populares encontraram o corpo, na manhã do dia seguinte ao do desaparecimento. Estava numa vala, na “rodovia” RJ-118, em Saquarema, distrito de Sampaio Correia, a pouco mais de uma hora do Rio. A estrada – à época de terra batida – fica numa região erma, de mato, com poucos residentes, sem passeios nem luz elétrica e apontada como zona privilegiada para a prática de crimes e “desova” de corpos e carros incendiados.
A mais de 160 metros, camponeses ouviram tiros e um carro arrancando logo de seguida, mas faltou quem identificasse a vítima. “Mulher ignorada”, podia ler-se numa folha junto do corpo de Rosalina, durante os dias em que esperou reconhecimento de familiares, no Instituto de Medicina Legal de Cabo Frio.
Rosalina fora assassinada com dois tiros. Um na cabeça, outro no tórax, do lado direito. O cadáver tinha ainda os brincos, óculos e um relógio de marca Certina. A roupa estava alinhada, mas o casaco apareceu rasgado. A arma do crime desaparecera. A bolsa e a pasta que Rosalina levava quando saiu de casa também. Arlindo Guedes, empresário que mantinha negociações com Rosalina para a compra do seu quinhão da herança, reconheceu o cadáver. A polícia situa a morte no final da noite de 7 de dezembro, mas a certidão de óbito diz que Rosalina faleceu no dia seguinte.
No funeral, as conversas à volta das desavenças da herança Feteira despertaram a atenção dos investigadores. “O crime deveria estar ligado a essa disputa”, admitiram. O encontro com Duarte Lima também gerara estranheza. “A desconfiança dos presentes era unânime”. Se Rosalina relatara as tentativas de negócio com Arlindo Guedes, por que não falara da tal Gisele, desconhecida até dos mais íntimos?
Uma semana depois, a 28 de dezembro de 2009, os investigadores filmaram, secretamente, a missa do 7.º dia, na Igreja Santa Teresinha, também no Botafogo. As conversas e desconfianças repetiram-se.
Os comprimidos e o rascunho
Sendo a disputa de heranças “uma das principais motivações envolvendo homicídios”, os investigadores concentraram-se nas pessoas que pudessem ter interesse financeiro na morte de Rosalina. Ao mesmo tempo, tentaram recolher dados para avaliar a versão de Lima.
Na presença de Rosemary Espinola, amiga e procuradora de Rosalina no Brasil, e do advogado Normando Marques, a polícia efetuou três buscas ao apartamento da vítima.
Encontrou “diversas agendas, anotações, extratos bancários, contas telefónicas, documentos imobiliários, papéis diversos”, além de três telemóveis portugueses e um telefone fixo.
Nas agendas, não havia referências a qualquer Gisele, apesar de Rosalina, segundo a polícia, ser, “a seu modo, uma pessoa metódica, anotando praticamente tudo sobre qualquer pessoa que conhecia”. Nos últimos anos, ela reforçara o hábito de registar tudo, pois receava a perda de memória na velhice. Nas agendas, até escrevia a maneira de usar um telemóvel, “criando diagramas”. Na lista de contactos, aparecem os telefones de figuras públicas, entre elas Leonel Brizola (antigo governador do Rio de Janeiro) e Sarah Kubitschek (mulher do Presidente Juscelino Kubitschek, falecida em 1996).
Os investigadores sugerem que as anotações seriam da autoria de Rosalina, mas ela, sabe a VISÃO, usava várias agendas outrora pertencentes ao industrial Lúcio Feteira, com quem manteve um relacionamento profissional e amoroso, durante décadas. Lúcio, esse sim, foi próximo de Kubitschek (no exílio deste em Lisboa, foi o milionário quem lhe garantiu emprego e dinheiro). Os contactos com Brizola também foram frequentes, tendo Feteira cortado relações com o político brasileiro quando ele mandou embargar a cidade turística que o industrial português queria construir em Maricá, nos anos 70, atropelando várias disposições ambientais.
Uma dessas agendas comprova a mistura de contactos de Lúcio e Rosalina, mas a polícia do Rio a ela não teve acesso. Repousa nos anexos de um processo arquivado no Departamento de Investigação de Acção Penal (DIAP), em Lisboa. Aí se podem ler, entre outros, os números de telefone dos políticos portugueses Mário Soares e Salgado Zenha (amigos de Feteira), de antigos políticos e militares brasileiros e de uma desconhecida Giselda, residente em Copacabana.
No apartamento da falecida, uma das camas estava algo desalinhada, com roupas estendidas. Na outra, Rosalina deixara uma mala aberta, indiciando os preparativos para o regresso a Portugal. “Parto para Lisboa no dia 12 de Dez, se Deus quiser”, lia-se num rascunho de carta manuscrita pela própria Rosalina, encontrado na casa pela polícia. A curiosidade foi também aguçada por dois comprimidos, um ao lado do outro, na mesa da sala. A tese policial é esta: ela contava regressar célere do seu encontro com Duarte Lima e tomar os medicamentos “em horário preestabelecido”. Ou seja, “sem intenção de se deslocar até à cidade de Maricá”, como afirmara o advogado.
Nessa altura, outra parte do relato de Duarte Lima soou inverosímil: como poderia Rosalina ter ligado do seu telemóvel para Gisele, já a caminho de Maricá, quando, na verdade, ela saiu à rua sem os telemóveis, convencida de que não demoraria?
Mesmo assim, a polícia seguiu a versão de Lima e entrevistou dezenas de residentes, nos arredores do Hotel Jangada, onde o antigo deputado jurou ter deixado Rosalina com Gisele. No hotel, nem vestígio das duas mulheres. Nos bancos de dados, nada também, após terem sido pesquisadas quase 150 “Giseles” com base na características descritas por Duarte Lima: “Branca, com idade entre 40 e 60 anos.”
A fraude e a fazenda
As desconfianças de Rosalina deixaram outras pistas. Ela comentara com amigos, no Brasil, alegadas fraudes envolvendo a Sociedade de Explorações Agrícolas e Comerciais (SEAI). A empresa do espólio de Feteira possui vasta extensão de terras na chamada Região dos Lagos, onde se destaca a Fazenda da Pedra Grande, em Maricá. Ela e o industrial foram os únicos sócios da SEAI até à morte daquele, em 2000, altura em que Olímpia Feteira, filha de Lúcio, afastou Rosalina e passou a administrar a empresa em nome da herança.
Apesar de não frequentar a região, Rosalina mantinha contactos com um antigo funcionário da SEAI, cujo nome surge nas suas agendas e anotações. Nos cartórios da região confirmou-se o “grande volume de imóveis negociados pela empresa”. Fraudes, uma: em 2000, um lote foi vendido com documentação falsa, mas sem qualquer ligação com possíveis envolvidos no crime, assinala o relatório policial.
Os seguranças de Olímpia
Filha de uma relação extraconjugal do milionário, cuja paternidade só seria reconhecida na idade adulta, Olímpia foi dos primeiros alvos da polícia brasileira, dado seu interesse na fortuna do pai e a relação turbulenta com Rosalina. Ódios que chegaram aos tribunais. Cedo, porém, a desconfiança se desvaneceu, transformando-se, até, numa relação profícua entre investigadores e investigada.
Olímpia descobrira as transferências efetuadas por Rosalina das contas conjuntas que mantinha com Lúcio Feteira no Brasil, Suíça e Portugal para algumas contas individuais em seu nome. Só no Brasil, o património do industrial deverá aproximar-se dos 41 milhões de euros. Ora, após tentativas frustradas, a representante legal do espólio confirmou, através da resposta a uma carta rogatória, enviada da Suíça, que Rosalina transferira quase 6 milhões de euros para Duarte Lima. Na sua opinião, de forma indevida, pois os valores pertencem à herança.
Os pormenores interessaram à polícia, claro, mas nem por isso as viagens de Olímpia ao Rio deixaram de ser escrutinadas. Descobriu-se que ela nomeara Joaquim Sousa Costa, um antigo motorista do pai, seu procurador e empregado no Brasil, e contratara seguranças.
Nas suas últimas deslocações, antes da morte de Rosalina, Olímpia recorreu a três polícias militares e um bombeiro também com formação militar. Os quatro, “a fim de aumentar seus rendimentos”, prestam serviços de segurança nas horas vagas a uma das maiores – e mais caras – sociedades de advogados do Brasil, pertença de Sérgio Bermudes. O poderoso e influente advogado é conhecido por pagar viagens a Buenos Aires e emprestar casas e automóveis de luxo a juízes do Supremo Tribunal Federal, entre outros mimos. O seu escritório – que defende, no Brasil, o interesse dos herdeiros de Feteira – aconselhou Olímpia a contratar os seguranças “em função das dúvidas que a cidadã portuguesa apresentou”, relacionadas com “notícias vinculadas nos jornais europeus sobre os riscos contra estrangeiros no Rio de Janeiro”.
A versão relatada aos investigadores difere, porém, da apresentada por Olímpia, em entrevista à RTP, em novembro último: “Normalmente, não uso guarda-costas. Dado que eu sabia que a Rosalina estava desesperada e a cabeça dela não era de fiar, eu pedi guarda-costas. Só naquela altura”, justificou.
Os seguranças foram seguidos, escutados e interrogados. Ligações ao crime? Nenhuma. Descartada a suspeita, Olímpia forneceu documentos à polícia e admitiu ter posto uma empresa de investigação particular no encalço de Rosalina por desconfiar de que a notícia do seu falecimento fosse mais uma manobra para fugir às responsabilidades. Confirmada a morte, confessou-se “prejudicada”, pois “praticamente inviabilizou a identificação de outros destinatários para os quais ela efetuou transferência de valores, bem como a localização atual dos valores desviados”, lamentou-se, durante o interrogatório.
Na peugada de Arlindo
Arlindo Guedes, empresário no ramo imobiliário, tinha, anos antes, procurado Olímpia para lhe propor a compra de uma fazenda do espólio Feteira e posterior venda a empresários estrangeiros associados no grupo Madrilisboa. A abordagem, segundo os documentos da polícia, resultou num contrato-promessa de compra e venda no valor de 40 milhões de reais (perto de 17 milhões de euros). A concretização do negócio ficou condicionada à resolução do inventário da herança.
No âmbito desse acordo entre a SEAI, administrada por Olímpia, e a Madridlisboa – cujos projetos imobiliários para a região geraram controvérsia e ações na Justiça movidas por instituições de Maricá – Arlindo, dono da Mineração Santa Joana, conseguiu ainda o direito de explorar a areia e aréola da Fazenda da Pedra Grande, antiga “menina dos olhos” de Lúcio Feteira.
Com o intuito de obter vantagens futuras com os terrenos do espólio, o empresário brasileiro fez a ponte para Rosalina através de um amigo comum, propondo a compra da parte dela na herança. Segundo o relato de Arlindo à polícia, Rosalina terá, de forma verbal, prometido fazer negócio assim que o processo relativo à herança estivesse concluído. Entusiasmado e apostado em acelerar os trâmites da disputa, o empresário ofereceu a Rosalina os serviços de sua filha Michelle. Advogada, ela ajudou-a no processo de inventário e numa audiência como observadora. Arlindo disse desconhecer outros interessados na parte da herança de Rosalina e, após várias diligências policiais, o seu nome foi também desligado de qualquer suspeita.
Consulado-geral… por engano
Um dos métodos usados pela Divisão de Homicídios foi o do acesso sigiloso a telefonemas de eventuais suspeitos. No caso de Duarte Lima, isso permitiu explorar contradições na versão do advogado, mas nem sempre o método resultou em cheio. Num dos casos, a “vítima”, inadvertida, foi o Consulado-geral de Portugal no Rio de Janeiro. “Ao se pedir a quebra do sigilo de dados, constatou-se que o cadastro verificado num primeiro momento não estava atualizado e que, verdadeiramente, o telefone pertence ao Consulado de Portugal”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros, contactado pela VISÃO, não quis pronunciar-se.
O rastreio telefónico de Lima revelou pormenores decisivos. Ao contrário do afirmado pelo advogado, Rosalina não usou qualquer dos seus telemóveis conhecidos para marcar o encontro entre os dois. Mais: durante a estada no Rio, no Hotel Sofitel, em Copacabana, Lima, ele sim, terá ligado várias vezes para a vítima, embora o negasse. Uma das chamadas foi registada junto da residência de Rosalina, oito minutos antes de ela sair do prédio para ir ao encontro do advogado.
A polícia anotou três telemóveis pertencentes a Duarte Lima. Um, do qual foram efetuadas chamadas para a vítima, foi adquirido em Lisboa, na modalidade pré-pago e utilizado apenas no Brasil. “O assinante não pôde ser identificado”, mas isso levantou mais suspeitas: “Por que utilizar um celular pré-pago, sem identificação, para contactar Rosalina, o qual, após o crime, foi desligado?”, perguntam, respondendo, os investigadores.
A juntar ao número oficial de Duarte Lima, um outro terminal suíço em seu nome também terá sido usado. Alguns telefonemas foram para Wenderson de Oliveira, motorista privativo do advogado em algumas ocasiões, no Brasil, e de quem os investigadores desconfiam ter contado menos do que sabe. Lima aparece também ligado a Marlete, cidadã brasileira natural de Belo Horizonte, Minas Gerais, onde o antigo deputado afirmou ter estado antes de viajar para o Rio. Segundo o pai, ela vive há vários anos em Lisboa, onde trabalha para Duarte Lima. A polícia afirma, preto no branco, existir um relacionamento mais íntimo entre ambos, mas não encontrou Marlete.
Pela análise das chamadas, afirmam os investigadores, o advogado mentiu também em relação à hora em que saiu de Belo Horizonte em direção ao Rio, na véspera do desaparecimento de Rosalina.
Lima: ‘amnésia’ e segredos
A relação entre a polícia e Duarte Lima começou torta. E nunca se endireitou. Quarenta dias após o crime, o comissário Nascimento gravou uma conversa telefónica de cerca de uma hora com Duarte Lima para esclarecer dúvidas acerca do seu relato enviado por fax. Confrontado com perguntas sobre o percurso, contatos, encontros e aluguer do carro – de cuja empresa de rent a car e marca alegou não se lembrar – Duarte Lima mostrou-se “nervoso e arrogante”, indagando o motivo das perguntas. Foi, de resto, pouco colaborante. A polícia nunca conseguiu arrancar-lhe pormenores sobre a sua estadia no Rio nem obter respostas através de carta rogatória. Mas os “surtos de amnésia”, expressão do relatório, logo foram atalhados.
A polícia descobriu o Ford Focus alugado por ele, carro em relação ao qual havia sete multas por excesso de velocidade no percurso até à zona do crime: três na véspera e quatro na noite em que Rosalina terá sido morta. Mais: apesar da falta de memória, Lima entregara o carro sem o tapete do “lugar do morto” à empresa proprietária e até pediu fatura do aluguer para efeitos fiscais. Aos olhos dos investigadores, ele nem sequer conseguiu salvaguardar a versão de que teria levado Rosalina ao Hotel Jangada, em Maricá, e aí permanecido por breves instantes. Para a Divisão de Homicídios, ele esteve na zona o tempo suficiente para matar e mentiu para ocultar o crime. Da estada de Lima em Belo Horizonte sobra ainda um contacto para uma loja de caça e pesca, representante oficial do fabricante de armas de fogo Taurus. Mas a polícia não confirmou qualquer compra por parte do advogado.
Crime, suspeitas e motivações
O perfil traçado pela polícia à margem do crime dá de Duarte Lima, desde logo, uma imagem de suspeição. “Trata-se de um advogado e ex-político português integrante do Partido Social-Democrata – PSD. Foi banido da vida pública após a descoberta de seu envolvimento em uma série de escândalos financeiros.”
À afirmação, contundente, juntam-se outros dados: Lima “foi apresentado a Rosalina pelo atualmente falecido Lúcio Thomé Feteira, o qual, através da sua fortuna, dava suporte a movimentos políticos”. Se Lima era a porta de entrada dos financiamentos do milionário ao PSD, a polícia não diz, mas é uma das leituras possíveis. Nos anos 90, quando supostamente se conheceram, Duarte Lima foi dirigente nacional do partido, líder parlamentar (entre 1991 e 1994) e presidente da distrital de Lisboa (entre 1998 e 2000). Apesar dos desmentidos de Olímpia à RTP, o relatório confirma também a informação avançada pela VISÃO desde o início: foi Feteira quem apresentou o advogado a Rosalina.
Diante dos indícios e provas circunstanciais contra o advogado, faltava estabelecer a motivação do crime. E essa, assumem os investigadores, foi dada pelo depoimento de Olímpia Feteira, “a qual processava Rosalina por desvio de vultuosas quantias das contas de seu falecido pai”. Duarte Lima nem sequer agiu no papel de advogado da vítima. “Teria sido”, isso sim, “o orientador de Rosalina na manobra”, ficando na posse “de grande parte das quantias”, dados os “seus conhecimentos bancários”.
O testemunho de Armando Carvalho, afilhado de Rosalina, revelou-se decisivo para sustentar a culpabilidade de Lima. É sua a versão, bebida junto das amigas da vítima, de que o advogado exigiu a Rosalina um documento “no qual ela teria que dizer que ele, Duarte Lima, nada lhe devia e nem era depositário de qualquer quantia”. As amigas comentaram que a madrinha de Armando se negava “perentoriamente” a assinar tal papel. Diante da insistência de Lima, “ficava bastante nervosa, a ponto de não conseguir falar direito”.
Rosalina regressaria do Rio – onde estava com autorização judicial – a 12 de dezembro, cinco dias após a data do seu desaparecimento. Na volta, deveria “prestar esclarecimentos” sobre “as milionárias transferências efetuadas para diversas contas”, entre elas as pertencentes ao ex-dirigente do PSD, no âmbito de um inquérito em curso no DIAP. “Caso tivesse ocorrido tal depoimento, Domingos Duarte Lima teria sérios problemas”. Naqueles últimos meses de 2009, foi, pois, segundo a polícia, “arquitetada uma manobra” para manter Rosalina no Brasil, estratégia pela qual seriam responsáveis Lima e o colega Valentim Rodrigues.
A consulta, no DIAP, do processo movido por Olímpia contra Rosalina por abuso de confiança – aberto em 2001 e extinto em finais de 2009 com a morte da visada – sugere que a antiga secretária de Lúcio iria, de facto, ser novamente ouvida, após um primeiro arquivamento por insuficiência de provas. Em março de 2009, sete meses antes do crime, a procuradora Ana Paula Vitorino determinara um novo interrogatório a Rosalina, mas também um outro a Olímpia, para que esclarecesse todos os processos judiciais instaurados contra a arguida. Solicitara também um exame do Laboratório de Polícia Científica às assinaturas de Lúcio Feteira, pois pendia sobre Rosalina a suspeita de falsificação de documentos.
Porém, nada disto foi feito em tempo útil.
Carece de prova a tese da Divisão Homicídios da Polícia Civil do Rio, segundo a qual Rosalina iria entalar Duarte Lima, caso voltasse à PJ. Uma suspeita desmentida pelos oito anos que durou o inquérito, durante os quais Rosalina nunca o fez, nem anotou sequer tal intenção nos seus apontamentos.
Com Rosalina morta, Olímpia Feteira virou-se para Duarte Lima. Enquanto cabeça de casal e à boleia dos novos desenvolvimentos, fez, no ano passado, uma queixa-crime contra Lima, agora suspeito de desvio de verbas da herança. O processo “corre termos em segredo de justiça” no DCIAP.
A 11 de outubro último, após 22 meses de investigação e 23 inquiridos no processo brasileiro, Duarte Lima foi apontado provável homicida de Rosalina “em virtude de interesses financeiros”. Uma raridade: no Rio, “no cenário mais otimista, em cada mil assassínios, a polícia descobre o criminoso em apenas 150 casos”, assinala a revista Piauí, na edição deste mês, na qual dedica cinco páginas ao caso. Se, como sugere a publicação, há algo de Dostoievski no crime de Saquarema, muitas páginas serão ainda precisas para juntar crime e castigo.