No documentário Outro País, ouvimos Dominique Issermann dizer: “Para quem tinha sido estudante no Maio de 68, a Revolução dos Cravos era um acontecimento fortíssimo. Sentíamo-nos muito próximos, queríamos ir para Portugal mesmo que não fosse para fotografar ou filmar.” Dominique concretizaria esse desejo através da agência Contact, de Paris – na época, a revista Time estava à procura de fotógrafos na Europa.
Esse documentário de Sérgio Tréfaut, estreado em 1999, foi o resultado de um desejo adiado durante anos: produzir uma grande exposição com as imagens dos fotógrafos estrangeiros que tinham retratado o processo revolucionário português. A ideia, surgida no verão de 1993, incentivada por Margarida Medeiros, então crítica especializada em fotografia no Público, e Ana Soromenho, amiga de Tréfaut, não se concretizaria no ano seguinte, no vigésimo aniversário do 25 de Abril, como tinham planeado.

Muitas das imagens que estarão agora em exposição em Almada, num edifício dos anos 60 pertencente à antiga Lisnave, cedido pela câmara municipal, foram identificadas há mais de 30 anos. À VISÃO, Sérgio Tréfaut recorda: “Em 1993, tinha organizado o Mês da Fotografia em Lisboa, um conjunto de 20 exposições com trabalhos de Sebastião Salgado, fotografias da agência Magnum do Leste da Europa, de Robert Mapplethorpe… Isto permitiu-nos ter um acesso privilegiado aos arquivos de uma série de agências internacionais de fotografia (Magnum, Gamma, Sygma, Sipa…). E passámos 15 dias em Paris a fotocopiar provas de contacto.”
Tréfaut sublinha uma diferença entre essa exposição não concretizada, por falta de apoios e vontade política, e a que finalmente se inaugura agora. “Baseávamo-nos, então, no livro Portugal 1974-1975: Regards sur une tentative de pouvoir populaire, editado por Guy Le Querrec em colaboração com Jean-Paul Miroglio, que reunia fotografias de muitos fotógrafos franceses e italianos que tinham estado em Portugal naquela época. Todos homens.”

Desta vez, os nomes de Dominique Issermann, Paola Agosti e Augusta Conchiglia constam de uma lista de 30 profissionais que compõem Venham Mais Cinco – O Olhar Estrangeiro sobre a Revolução Portuguesa – 1974-1975, viabilizada através de um protocolo entre a Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, o Ministério da Cultura e a FAUX, em parceria com a Câmara Municipal de Almada. Um livro/catálogo, editado pela Tinta-da-China, perpetua esta recolha nunca antes vista.

A exposição permitirá, sobretudo aos mais jovens, ter uma noção do que se passou num ano e meio em que o País era uma espécie de panela de pressão
sérgio tréfaut
A mostra está organizada em quatro núcleos temáticos (A Festa da Liberdade, Novas Formas de Poder, Independências e Um País Dividido) “que permitirá sobretudo aos mais jovens”, afirma Tréfaut, “ter uma noção do que se passou num ano e meio em que o País era uma espécie de panela de pressão.” A explosão da liberdade nas ruas, as manifestações diárias, as novas formas de poder nas fábricas e no campo, a ação política e cívica dos militares, a emergência dos partidos políticos, a chegada dos portugueses das ex-colónias, as tensões no pós-eleições de 75, mas também os processos de independência em África.

A monumentalidade do espaço é impressionante. São mais de 2 mil metros quadrados de área expositiva, pensada pelo arquiteto Pedro Pacheco, que recebem 200 fotografias impressas em grande formato (165 X 110 cm e 110 X 75 cm), da autoria de Jean-Claude Francolon, Jean-Paul Paireault, Fausto Giaccone e Alain Mingam (que virá a Lisboa), de fotógrafos já desaparecidos, como Henri Bureau, Jean-Paul Miroglio e o brasileiro Alécio de Andrade, entre muitos outros, como o brasileiro Sebastião Salgado. Uma viagem no tempo, chama-lhe o cineasta, finalmente concretizada.
Venham Mais Cinco – O Olhar Estrangeiro sobre a Revolução Portuguesa – 1974-1975 > Parque Empresarial da Mutela (em frente à antiga Lisnave) > Av. Aliança Povo M.F.A, Almada > até 24 ago, qui-dom 11h-19h > grátis