(I) A seca regressou. As alterações climáticas são uma realidade e em Portugal sentir-se-ão de forma crescente. Os períodos de seca intensificar-se-ão e as ameaças de escassez estão já aí. O que podemos fazer? Ser mais resilientes às alterações climáticas, mitigar os seus efeitos e estar adaptados o mais rapidamente possível aos impactos inevitáveis das mesmas.
Tentarei, pois, contribuir com informação que permita saber que os homens e mulheres que dedicam a sua vida aos recursos hídricos trabalham diariamente pelas soluções de contingência quando a crise acontece, mas também pelas soluções estruturais que todos clamam, mas poucos percecionam.
O país está já a fazer mais do que discutir soluções de resiliência e de adaptação, está a implementá‑las, embora, nem todas visíveis, nem tão rápidas quanto desejaríamos. A resposta a este enorme desafio pressupõe um conjunto de soluções que só funcionarão se assumidas, geridas e implementadas de forma integrada pelos vários setores, e também isso se encontra em execução.
(II) O percurso feito no abastecimento e saneamento nas últimas três décadas permitiu que atravessássemos, em 2022, um dos anos mais secos dos últimos 90 sem faltar uma gota de água nas torneiras. O “milagre português da água”, reconhecido internacionalmente pelos especialistas do setor, realizou‑se devido a um raro consenso político nacional nas últimas três décadas, numa reforma estrutural que permitiu fazer investimentos de larga escala no País em infraestruturas (captações, estações de tratamento, redes de abastecimento, etc.), alavancados pela gestão profissionalizada do sector e por mais de 13 mil milhões de euros de fundos estruturais.
Só que o consumo humano da água não encerra a importância da água na nossa atividade enquanto sociedade.
O recurso hídrico é, e será cada vez mais, matéria de soberania e segurança nacional e a garantia do seu uso para a produção de alimentos e energia renovável é absolutamente vital, pelo que em situação de stress hídrico teremos de conseguir garantir a disponibilidade de água.
(III) A seca, que se traduz num desequilíbrio entre recursos disponíveis (oferta) e as necessidades (procura), não é sempre sinónimo de escassez de água.
Neste balanço entre a oferta e a procura teremos também de introduzir as variáveis decorrentes das alterações climáticas e das projeções de evolução das necessidades hídricas para os próximos anos, sendo que os modelos permitem-nos projetar os cenários a médio‑longo prazo e funcionam como ferramentas de apoio à decisão política na gestão da água.
(IV) O desenvolvimento do país precisa de pessoas, precisa de atividades económicas como a agricultura, o turismo e a indústria, precisa de ordenamento do território, precisa de ecossistemas saudáveis e precisa de energia limpa e renovável. Para tudo existir precisamos de água, o recurso mais transversal que dispomos.
Atalhemos e permitam-me dar nota do que nos encontramos a fazer.
(IV.) O Algarve, a região do País onde as alterações estão a ser mais rápidas e intensas, é aquela onde as medidas em implementação estão mais avançadas. O sotavento algarvio, desde o último verão e com as medidas já realizadas, dispõe hoje de mais 15 hm3 de água para consumo urbano. Os últimos 2 anos ensinaram-nos, contudo, que é o barlavento algarvio a região mais exposta ao stress hídrico e não o sotavento.
As medidas em curso, financiadas pelo PRR, representam um investimento de 200 milhões de euros. Pressupõem a redução das perdas no setor urbano e agrícola. Permitem transportar a água de um lado para o outro no Algarve em função da necessidade. Garantem mais água nas origens: 30 hm3 no Pomarão, 24 hm3 de dessalinização de água do mar e 8 hm3 de água reciclada das estações de tratamento de águas residuais (ApR).
É preciso, contudo, um Pacto firme e resoluto de todos os agentes e protagonistas com a assunção de compromissos fortes para garantir a sustentabilidade do recurso. Com isso, o Algarve continuará a desempenhar o seu papel importante para o desenvolvimento do país.
(V) No Alentejo, o Alqueva (outra solução estrutural do país) é hoje um precioso ativo para a segurança hídrica. O panorama seria bem diferente sem a sua existência, apesar de ainda subsistirem problemas aos quais teremos de dar resposta, em especial no litoral alentejano. Aqui o desafio é diferente de todos os outros, pois está em causa a garantia de água para as necessidades agrícolas e industriais em Sines, estando, por isso, em marcha os projetos para a construção de duas dessalinizadoras que permitirão garantir a água necessária ao desenvolvimento de ambas as atividades.
(VI) No restante território estão em curso outras medidas que permitirão ao país adaptar-se à nova realidade hídrica, garantindo que os territórios críticos possam, num curto prazo, ter soluções estruturais de resiliência. É o caso, por exemplo, da zona de Dão Lafões que tem há décadas um problema de déficit de água em alguns períodos do ano. Está já desenhada, com execução a breve prazo, a solução que permitirá interligar o sistema existente às origens de Lever, geridas pela Águas do Douro e Paiva e construir a nova barragem de Fagilde.
Estas medidas permitirão dotar o país da resiliência necessária para combater a escassez, embora tenha de haver, em alguns territórios, uma adaptação das atividades atuais, quer sejam hidroelétricas, agrícolas, industriais, turísticas ou mesmo urbanas.
Não poderá haver mais soluções individualizadas. A resiliência adquire-se com a combinação de várias soluções e a intervenção dos diversos setores: reduzindo consumos desnecessários, combatendo perdas no setor urbano e agrícola, garantindo interligações entre sistemas, melhorando as reservas superficiais existentes das albufeiras e barragens, disponibilizando água através de novas origens como é o caso da ApR e da dessalinização.
Nós, na Águas de Portugal, trabalhamos diariamente, como muitos outros, para esta concretização e para que, mesmo nas situações mais críticas, a água não falhe.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.