Foram encontradas 32 800 toneladas de terras contaminadas – incluindo 300 toneladas de resíduos perigosos – numa obra que a própria entidade reguladora dizia ter apenas solos limpos. Só depois de uma denúncia e da publicação de um artigo da VISÃO sobre o caso as autoridades exigiram as análises aos solos, que revelaram um problema ambiental para resolver.
A história começou em julho, quando a Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT) recebeu uma denúncia sobre uma obra em Lisboa: não havia sido feito o estudo geoambiental obrigatório por lei. Apesar de o local (Rua D. Luís I) se encontrar numa antiga zona industrial, onde têm sido descobertas centenas de milhares de toneladas de solos contaminados, a CCDR-LVT considerou que os solos estavam limpos e não embargou a obra por falta das análises, como lhe competia. Noutras situações (nomeadamente no caso da ampliação da Fundação Champalimaud, no final de 2019), a entidade reguladora mandara suspender as obras precisamente por não terem sido realizadas as análises aos solos.
A presidente da CCDR-LVT dizia então, na resposta à denúncia, que os técnicos não tinham encontrado ilegalidades, durante uma visita ao local. Teresa Almeida assegurava que as terras não estavam contaminadas e que da obra apenas tinham saído “solos e rochas”, apesar de não ter qualquer estudo a comprová-lo.
Saúde em risco?
A obra só foi suspensa depois de a VISÃO publicar um artigo sobre o caso – um artigo em que, questionada sobre o assunto, a CCDR-LVT remetia as culpas para a Câmara de Lisboa, por esta ter emitido licença de construção sem exigir as análises aos solos. Cabe, no entanto, à CCDR atribuir alvará para manuseamento e remoção de resíduos nestes casos, e embargar a obra caso esse alvará não tenha sido atribuído.
Finalmente, após a notíca vir a público, foi solicitado o estudo geoambiental. Sem grandes surpresas, face ao que tem sido encontrado em obras vizinhas, encontraram-se 32 500 toneladas de solos contaminados e 300 toneladas de solos perigosos. O alvará de gestão de resíduos foi emitido no dia 7 de janeiro e é assinado por José Manuel Alho, vice-presidente da CCDR-LVT. A entidade continua a ser presidida por Teresa Almeida, reconduzida no cargo em outubro, em eleições indiretas das autarquias, num processo em que foi candidata única, por negociação entre o Governo e o PSD.
O problema, no entanto, não foi completamente resolvido. Uma vez que não se efetuaram análises prévias, não há forma de saber o nível de contaminação dos resíduos retirados da obra antes do embargo. O Ministério do Ambiente e da Ação Climática disse à VISÃO que os solos foram levados para um depósito licenciado para receber resíduos de construção e demolição. Mas não há nenhuma prova de que não houvesse, nessas terras, resíduos perigosos, que só podem ser tratados nos CIRVER (Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos perigosos). Se os aterros em questão não estiverem devidamente impermeabilizados, substâncias como chumbo, hidrocarbonetos e mercúrio podem ir parar aos lençóis freáticos e entrar na alimentação humana diretamente através de poços ou indiretamente pela agricultura.
Os resíduos agora descobertos vão encarecer a obra em quase 2 milhões de euros. As 300 toneladas de solos perigosos têm um custo de tratamento nos CIRVER de €33 900, a que se somam €1,85 milhões de aterro dos contaminados (ou €1,3 milhões, se forem encaminhados para valorização material em cimenteiras). Se a obra tivesse continuado como planeado, assumindo que não havia solos contaminados, o custo total de remoção de 32 800 toneladas de terras rondaria os 100 mil euros.