Que não haja a mais pequena dúvida: a Polónia é um destino recomendado para qualquer português que ande farto do clima depressivo que por cá se vive e não desdenhe reviver sentimentos que já foram os nossos, nos anos que se seguiram à entrada na então CEE. Tal como Portugal, nas décadas de 80 e 90, a Polónia vive atualmente um clima de pujança económica e social. À semelhança do que se passou por cá, também os polacos celebram a sua adesão à União Europeia poucos anos depois de se verem livres de um regime opressivo, castrador e fechado ao exterior. Com a vantagem de o fazerem numa era diferente, globalizada, propícia ao conhecimento e ao intercâmbio. É, por tudo isto, um bálsamo para qualquer português chegar à Polónia e sentir-se envolvido neste clima de liberdade, modernidade, otimismo e confiança no futuro, que tão poucos conseguem reconhecer, atualmente, neste nosso país triste, descrente e assustado.
Poznan é, neste contexto, uma cidade fundamental. A apenas duas ou três horas de distância, de carro ou comboio, de Varsóvia ou Berlim (ambas com ligações diretas da TAP), esta cidade plantada nas margens do rio Warta é um destino obrigatório para quem deseja sentir o pulsar da nova Europa. Com cerca de 630 mil habitantes, é apenas a quinta maior cidade da Polónia, mas uma das mais importantes do país. Tanto no passado como no presente: foi berço da nação, em 966, e é hoje um importante centro de negócios, rivalizando, inclusive, com a capital, Varsóvia. É uma cidade com forte componente industrial, com elevadas taxas de crescimento, algo bem patente nos apenas 2,3% de desemprego registado em 2009, numa altura em que a taxa nacional polaca ultrapassava os 10 por cento. Mas é, ao mesmo tempo, uma cidade que aposta forte no turismo, na indústria do lazer e que se esforça por bem receber quem a visita.
METADE DO PREÇO Esta aposta no turismo vai ao ponto de, anualmente, Poznan organizar o Half Price Weekend, dois dias em que tudo (desde hotéis a restaurantes, de todas as categorias) têm um desconto de 50 por cento. Uma iniciativa que costuma decorrer em Junho (este ano foi antecipada para Abril para não interferir com o Euro 2012) e que, agora, os mais dados a teorias de conspiração admitem que possa ter servido de inspiração aos donos do Pingo Doce. É que, por terras polacas, eles são proprietários da Biedronka (Joaninha, em português), a cadeia de supermercados omnipresente em todo o país.
Próxima da fronteira com a Alemanha, Poznan vive um pouco no dilema de quem não perdoa os efeitos da ocupação nazi mas que – um pouco esquizofrenicamente, há que admitir – reclama ser a mais germânica de todas as cidades polacas. Numa dialética de oposição ao resto do país e, fundamentalmente, ao centralismo de Varsóvia, a cidade assume a vanguarda do crescimento, sendo, nesta altura, a mais preparada e apetrechada do país. Nomeadamente a nível das infraestruturas criadas a pensar no Campeonato da Europa de Futebol, que se realiza, na Polónia e na Ucrânia, entre 8 de junho e 1 de julho. Neste aspeto, há que realçar que, entre as quatro sedes polacas do Euro 2012, Poznan é a que está mais bem servida de redes viárias e aquela que tem o aeroporto mais moderno, para onde voam diariamente cada vez mais companhias low cost. Este espírito empreendedor e moderno, aliado ao sentimento de liberdade de quem, ainda há pouco mais de 20 anos, se libertou do trauma comunista, faz desta cidade um destino empolgante, ideal para um fim de semana bem passado.
MARCAS DO PASSADO Como todas as cidades polacas, Poznan é um centro urbano em mutação. O facto de todo o território polaco ter sido das regiões mais martirizadas durante a Segunda Grande Guerra, fez com que quase nada restasse da arquitetura mais antiga. O que sobrou surge misturado com os edifícios típicos dos regimes comunistas e, agora, com as novas construções, que crescem ao ritmo a que entram os euros de Bruxelas e, sobretudo, de Berlim.
Um dos edifícios mais emblemáticos é o Zamek, ou o Castelo, como lhe chamam. Último palácio imperial construído na Europa, foi mandado erigir, em 1905, ao melhor estilo neorromântico, para albergar Guilherme II, derradeiro imperador da Alemanha e último rei da Prússia. Após a I Guerra Mundial e o fim do império, a Polónia voltou a ser independente. A partir dessa altura, o Zamek passou a ser usado para fins administrativos e pela Universidade de Poznan. Mas, com a anexação ao III Reich, passou a ser o quartel-general dos alemães na cidade e sofreu inúmeras alterações. Albert Speer, o arquiteto predileto de Hitler, foi escolhido para remodelar o palácio, adequando-o ao estilo austero do Reich e fazendo desaparecer toda e qualquer simbologia do antigo império, que Hitler desprezava.
Uma das mais profundas alterações introduzidas por Speer foi a redução da torre do palácio para cerca de um terço do seu tamanho original, transformando a capela que existia no seu interior em duas grandes divisões: a residência do governador nazi de Poznan, Arthur Greiser, e um imponente gabinete para Hitler, todo forrado a mármores e com acesso a uma varanda com vista para a avenida onde se realizavam as paradas militares. No entanto, o Fuhrer nunca a chegou a estrear: a remodelação terminou quase em simultâneo com o fim da II Grande Guerra. Atualmente, essa e todas as outras dependências do Zamek podem ser visitadas por qualquer pessoa, visto que o palácio alberga, agora, um importante centro cultural de Poznan.
NEGÓCIOS E ARTE Entre os edifícios históricos que foram reconvertidos e readaptados, outro destaque obrigatório é o Stary Browar, o imponente e multi-premiado centro comercial que nasceu das ruínas da que foi a maior fábrica de cerveja de Poznan, desde o século XIX. Ocupando vários quarteirões no centro da cidade, este é o local indicado, não só para encontrar lojas de todas as marcas internacionais, mas também para quem procura o melhor que se faz atualmente em arte contemporânea.
Pelos largos corredores da área comercial é possível encontrar peças dos mais reputados artistas plásticos internacionais, pertença da Fundação Stary Browar 5050, presidida pela controversa multimilionária polaca, Grazyna Kulczyk. Com uma lógica de 50% negócios, 50% arte, o Stary Browar é um dos símbolos da nova Polónia, onde podemos encontrar ainda um dos mais modernos e exclusivos hotéis do mundo, o Blow Up Hall 5050. Num espaço com design da mais alta qualidade, as suites não só são todas diferentes uma das outras como são elas que “escolhem” os seus hóspedes. Como? É fácil: em vez de uma chave, cada cliente recebe um iPhone que, através da mais moderna tecnologia de reconhecimento facial, escolhe a suite disponível, conduz o hóspede pelos corredores e abre a porta da habitação. No mínimo, surpreendente!
PARA ‘GOURMANDS’ Poznan cresce e espalha-se em torno de um centro histórico relativamente pequeno, muito bem conservado. É na praça central, a Stary Rynek, e nas ruas circundantes que se encontram alguns dos principais museus e demais atrações culturais. Com o magnífico edifício da antiga Câmara Municipal como centro, esta praça rodeada por coloridos e bem conservados edifícios, é, no verão, invadida por esplanadas e mercados de flores e de artesanato. E é, sobretudo, o local onde se encontram os melhores restaurantes (de gastronomia local e internacional) e bares da cidade.
Se é daqueles que não abdica de comer bem, não deixe de visitar o Gospoda Pod Koziolkami e o Brovaria, ambos em plena praça. No primeiro, poderá experimentar a gastronomia tradicional, num ambiente medieval. No segundo, restaurante do hotel com o mesmo nome, vai deliciar-se com as criações modernas, de fusão, de Krystian Szopka, considerado o melhor chef da Polónia, e beber as magníficas cervejas produzidas na casa. Poznan é, aliás, conhecida pelas suas cervejas artesanais.
Rezam as lendas que, em tempos longínquos, quando a qualidade da água não era a mais recomendável para consumo, até as crianças eram alimentadas a cerveja. Com uma gastronomia tradicional agradável, mas relativamente restrita, é nestes modernos restaurantes que pode encontrar algo que faz a diferença. E, se o Bovaria é uma escolha obrigatória por estar no centro da cidade, para quem não se importe de ir mais longe na certeza de encontrar uma refeição inesquecível, o sítio para ir é o Vine Bridge. Com muito poucos lugares sentados (12 pessoas, naquele espaço, são uma multidão) e, por isso, de reserva obrigatória, a casa comandada pelo chef Radoslav Nejman é um verdadeiro santuário para gourmands.
NOITES LONGAS A cidade que, durante os dias de semana, é destino de homens de negócios de todo o mundo, à noite e ao fim de semana transforma-se num paraíso para noctívagos. As ruas da cidade velha estão repletas de bares, mais ou menos modernos. O melhor de todos é, sem dúvida, o Klub Dragon. Quem o vê de fora apercebe-se da animação. Mas só quem entra descobre o admirável mundo novo – uma espécie de Pensão Amor em ponto grande. É um prédio inteiro, da cave ao terceiro andar, com ambientes, salas, sons e clientelas distintas. Do piso térreo, onde se situa o balcão principal, tem-se acesso à cave (para dançar ou assistir a concertos ao vivo) e ao pátio das traseiras. Aí fica a esplanada e, de lá, através de escadas (exteriores e interiores), varandas e varandins se chega a salas, pequenos apartamentos, onde é possível comer, ouvir música ou apenas conversar. Tudo isto num espaço de decoração informal, com o mais variado tipo de mobiliário, aberto até de manhã. Restam, aliás, dúvidas, se este Klub Dragon alguma vez chega a fechar as portas.
VARSÓVIA FORA DE HORAS Este é, aliás, um costume muito polaco. Por todo o lado existem estabelecimentos onde se pode matar a fome e a sede seja a que horas for. E, neste capítulo, o Prezekaski Zakaski, situado mesmo em frente do Palácio Presidencial, em Varsóvia, é uma verdadeira instituição. Aqui, bebe-se por apenas um euro e come-se por dois, ou, pensando em moeda polaca, bebe-se por quatro zlots e come-se por oito. A lista das bebidas dispõe de cerveja, vinho tinto, vodka ou café, a das comidas oferece delicioso arenque fumado, pasta do mesmo, excelente bife tártaro, patés e queijo. Sempre, a qualquer hora, 24 horas por dia.
Nas noites longas de Varsóvia há, como em qualquer outra capital europeia, muito por onde escolher. A oferta é variada e há restaurantes, bares e discotecas para todos os gostos. Mas uma noite não é noite se não começar com um (ou dois, ou os que aguentar) wsciekly pies. O nome é complicado e a tradução melhor que obtivemos foi crazy dog, ou seja cão maluco. Mas não passa de um saboroso shot, com uma parte de concentrado de framboesa, três de vodka e umas gotas de tabasco. Surpreendentemente delicioso!
Depois de conhecer Poznan, visitar Varsóvia é ainda mais revelador da dinâmica de um país. Uma cidade que ainda há cerca de 60 anos acordava da II Guerra Mundial completamente arrasada, com mais de 80% dos seus edifícios em absoluta ruína, luta atualmente por marcar presença entre as mais modernas capitais europeias. Às imponentes construções típicas dos regimes comunistas do pós-guerra juntam-se agora os gigantes e modernos arranha-céus da era capitalista, alimentados a euros da União Europeia e das multinacionais de todo o mundo.
Uma visita ao miradouro do Palácio da Cultura e Ciência, o “bolo de noiva” ali mandado construir por Staline como presente da União Soviética ao povo polaco, permite ter uma panorâmica de 360 graus de uma cidade em profunda mutação. De um lado, a cidade velha, toda reconstruída de origem e de acordo com a traça original. Do outro, o bairro de Praga, nas margens do Wisla, antigo bairro operário e atualmente espaço procurado pelos mais jovens, por causa da vida noturna e cultural que por ali floresce. É também neste lado da cidade que foi construído o moderno e impressionante Estádio Nacional, que servirá de palco à abertura do Campeonato da Europa de futebol, a 8 de junho. O resto que a vista alcança dá-nos um panorama de uma floresta de guindastes, de prédios envidraçados que nascem como cogumelos. INTERATIVIDADE Varsóvia é, ainda assim, uma capital de cultura. A aposta em modernas estruturas museológicas faz toda a diferença. Neste capítulo não deve perder-se a oportunidade de visitar o museu da cidade, que, recorrendo às mais modernas tecnologias interativas, permite conhecer a sua história trágica e heróica. Igualmente interativo e absolutamente incontornável é o museu da Casa Chopin, onde se pode ouvir toda a obra do pianista e compositor.
São, no fundo, dois exemplos de como a Polónia encara esta nova e gloriosa fase da sua história. O seu passado trágico e traumático é assumido como exemplo de resistência e feitos heroicos. E é a esse mesmo passado que os polacos vão buscar inspiração para o futuro, aproveitando a entrada na União Europeia como forma de recuperar o tempo perdido e encarar o futuro com otimismo e confiança. O que, para um português mergulhado na crise e na austeridade, pode ser um verdadeiro bálsamo.