Visão Saúde
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Dar manteiga de amendoim a bebés entre os quatro e seis meses pode reduzir drasticamente o risco de alergia

A introdução de produtos alimentares à base de amendoins na dieta de bebés poderia reduzir o risco de alergia a amendoins até 77%, conclui investigação britânica

Jornal de Letras
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Brel

Há noites em que o nosso nome soa a eternidade.- Vem Jef, vem. Vem Jef, vem - repetia ele incessantemente.- Vem comer amendoins comigo. Não há ninguém como tu a comer amendoins Jef. Lembraste daquela noite em que comeste um pacote sozinho? Um quilo, nunca hei-de esquecer-me. Elas, ali em tanga, de boca aberta a abanar o mundo para a esquerda e para a direita e a apanhar os amendoins que tu lançavas. Não eram elas quem apanhava, eras tu quem acertava sempre na boca delas. O dinheiro que gastámos ali Jef. Mas isso nunca foi um problema. O dinheiro nessas noites não se gasta... E a outra noite em que saímos do bar e vimos uma cria de javali no meio da rua. Lembraste Jef? Bem no centro da cidade. Quem é que deixa uma cria de javali no meio de Bruxelas às quatro da manhã? Só alguém muito esquecido. Vem Jef, vem. Anda daí.Eu permanecia em silêncio, estava em baixo, não havia como negá-lo, queria sofrer uma congestão por excesso de dor, mas ele não parava.-  Vem Jef, vem. Vem comigo. Vamos salvar a noite. Tu salvaste a noite vezes sem conta Jef. Tu sabes disso. Há pessoas a quem qualquer trapo fica bem, um casaco, umas calças, uns óculos, um chapéu, um nariz vermelho ou um coração azul. Tu descascas a noite como quem descasca um amendoim Jef. São os teus óculos de sol coloridos. Vem Jef, vem. Não desistia, ele. Estava disposto a arrancar-me o sofá do corpo. E pediu ajuda. Chegou um, outro, três, sete no total. Chamou mais sete amigos. Todos os meus amigos, em minha casa, a pedir para eu ir. E eu fui. Calcei os sapatos, que eu nunca gostei de sair à rua descalço, e fui. Não me lembro de ter comido tantos amendoins como nessa noite. Paris parecia a Bruxelas da nossa juventude, apenas com mais luz, e as ruas pistas de atletismo. Corremos de bar em bar como se fossemos clones de Zátopek. Tinha visto nessa tarde uma reportagem sobre Zátopek, o único homem a vencer os 5.000, 10.000 metros e a maratona nas mesmas Olimpíadas. Zátopek era o melhor mas não tinha estilo, era desengonçado, a sensação de que poderia morrer a qualquer segundo. Se havia algo que até então me ligava a ele era isso: a possibilidade de morrer a qualquer segundo. Mas não nessa noite. Durante essa noite fui Zátopek de cabeça levantada.Não houve copo, corpo ou casa que nos tivesse escapado. O público esperou-o cerca de duas horas - o concerto estava marcado para a uma - , mas ninguém pareceu incomodado com o atraso. Receberam-nos com palmas. Receberam-no com palmas. Estava quente nessa noite, lembro-me perfeitamente que estava quente como tudo nessa noite, e ele transpirava por todos os poros. Não fez caso. A noite era dele, estava escrito. Agarrou no microfone, deu duas ou três indicações aos músicos e cantou de improviso como há muito não o ouvia.Uma música com o meu nome. Quase cinquenta anos depois e, às vezes, ainda me custa acreditar. Era assim o Brel. Ninguém sabia salvar amigos como ele.   Jef, Paris (2011) http://www.youtube.com/watch?v=T4Mx8AN0GF4