Ao fim de 36 dias, numa missiva comovente, dirigida aos seus companheiros, anunciando o fim da greve de fome em protesto contra o excesso de prisão preventiva, o músico e ativista angolano Luaty Beirão revelou algo que me chamou a atenção: “Vamos dar as costas. E voltar amanhã de novo.” Estas palavras, mostram de forma clara aquilo que muitos de nós já desconfiavam. Esta é a geração mais audaz, mais fértil e mais faminta de viver a Angola que nos prometemos.
As ideias que esse grupo tem vindo a nutrir constituem, com a sua apaixonada urgência, uma admirável afirmação de caráter. Se olharmos de perto, aí está a lição bem estudada deixada por aqueles heróis que batizaram as ruas e avenidas do país da Welwitschia Mirabilis, bem como os milhares de anónimos que amaram esse país e perderam a vida para erguer uma Angola independente. São estes os herdeiros, estes, que o mundo conhece, como o grupo dos 15+2, e outros tantos angolanos anónimos, que em silêncio aguardavam que um verdadeiro movimento pró-democracia pacífico se materializasse finalmente.
Estes últimos meses foram reveladores em muitos aspetos. Desde a forma um tanto sensacionalista como a imprensa tem vindo a lidar com este caso, aos silêncios constrangedores dos setores mais influentes da sociedade, tanto em Angola como em Portugal, que é, sem sombra de dúvida, o País que mais beneficiou desta proximidade histórica e cultural, sistematicamente invocada sempre que convém, mas rapidamente esquecida quando assuntos de direitos humanos ou liberdade de expressão vêm à baila.
“Vamos dar as costas. E voltar amanhã de novo.” Estas palavras do Luaty trouxeram-me à memória os versos do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade: “Quando é preciso ter mais medo do governo do que os males que ao governo compete conjurar; Quando a lei é uma palavra batida e pisada, que se refugia nas catacumbas do direito; Então é hora de recomeçar tudo outra vez, sem ilusão e sem pressa, mas com a teimosia do inseto que busca um caminho no terramoto.”
Estamos todos a aprender, a democracia é um exercício contínuo e exigente, mas o único que vale a pena trilhar.