A três dias da entrada em vigor da nova lei da cópia privada, há uma questão que permanece em aberto: quem é que vai suportar as taxas? A questão está longe de merecer uma resposta válida para todos casos… e por isso mesmo, nos últimos dias, várias marcas e fabricantes têm vindo a estabelecer contactos com distribuidores, grandes superfícies comerciais, importadores e operadores de telecomunicações com o objetivo de definir quem vai suportar a taxa da cópia privada. No setor há quem admita que marcas, importadores e retalhistas possam assumir custos – mas na maioria dos casos a taxa acabará por se refletir no preço de compra que é pago pelo consumidor.
A lei exige que as taxas que compensam autores de música, filmes ou software pelas cópias de âmbito privado sejam pagas aquando da primeira transação efetuada em Portugal, mas o contrarrelógio negocial que está em curso no setor das tecnologias poderá condicionar o efeito prático que a lei acabará por produzir no mercado. Sobre a mesa perfilam-se dois cenários: ou os preços pagos pelos consumidores passam a refletir o acréscimo resultante da aplicação da taxa da cópia privada; ou os intervenientes do setor abdicam de parte das margens de lucro para que os preços permaneçam inalterados.
A adoção de um destes dois cenários depende, em grande parte, da disponibilidade das marcas para assumirem os custos relativos à aplicação de taxas. Algumas marcas estarão decididas a manter os denominados “preços psicológicos” (exemplo: um telemóvel por 99, 399, ou 699 euros) e tentarão forçar os importadores e os retalhistas a repartirem os custos derivados da introdução da nova taxa e assim manterem os preços finais inalterados.
Em contrapartida, outras marcas poderão fazer questão de cumprir a lei à risca, assumindo na totalidade as taxas. É fácil de prever o resultado que esta segunda opção terá no mercado: o importador tenderá a tentar recuperar o valor da taxa na venda dos equipamentos aos retalhistas e, por sua vez, os vendedores finais tentarão abater os custos da taxa da cópia privada com a formulação de novos preços praticados junto do consumidor.
Nuno Marques, responsável pela importadora Ingram Micro para os mercados ibéricos, confirma que as marcas já começaram a abordar os restantes intervenientes no mercado para definir o que fazer depois de a lei entrar em vigor. «O retalhista tem um negócio que funciona pela quantidade e que lida com margens de lucro muito reduzidas. Logo, terá de ser o cliente final a assumir os custos… a menos que as marcas aceitem cobrir a totalidade dos custos, ou todos os intervenientes aceitem pagar uma parte».
Ao que a Exame Informática apurou nem todas as marcas estarão dispostas a negociar. Eis um exemplo relatado por uma fonte do segmento comunicações móveis que pediu anonimato: «Negociações? Não há nenhumas negociações. O que se passa é que as marcas dizem quais são os novos preços que vão passar a ser praticados (depois da inclusão da taxa) e quem vende ao consumidor final não tem muitas alternativas: ou muda o preço, ou então espera um pouco, vê o que a concorrência faz e ajusta ou mantém os preços em consonância».
Outra fonte que pediu o anonimato recorda o que sucedeu com o último aumento do IVA: no primeiro trimestre, os preços mudaram de forma generalizada, até que, no trimestre seguinte, os retalhistas conseguiram repor os denominados preços psicológicos, assumindo os custos em muitos dos casos. «E como resultado, as épocas de promoções com produtos mais antigos passaram a ter descontos menores. Um produto que tinha um desconto de 50 euros, provavelmente, passou a ter im desconto de 35 euros», recorda esta fonte.
Estas descrições provêm de fontes anónimas e incidem apenas sobre duas fatias do mercado das tecnologias… Acontece que as taxas da cópia privada são aplicadas não só a telemóveis, mas também a pens USB, tablets, computadores, boxes de TV, discos rígidos, discos e leitores de DVD, cartões de memória, impressoras, máquinas fotográficas, entre outros equipamentos. A todos estes dispositivos vão ser aplicadas taxas que variam consoante a capacidade de armazenamento, mas que têm de obedecer a três tetos (7,5, 15 ou 20 euros), que são aplicados às diferentes categorias de tecnologias.
José Valverde, diretor da Associação Empresarial dos Setores Elétrico, Eletrodoméstico, Fotográfico e Eletrónico (AGEFE), também confirma que as taxas poderão vir a merecer diferentes tratamentos, apesar de «nalguns produtos poderem vir a ter um enorme impacto no preço». «Cabe às empresas que introduzem os produtos no mercado decidir se a taxa se repercute ou não no preço final», acrescenta o responsável da AGEFE.
Preços não mudam já na segunda-feira
Apesar de corresponder ao primeiro dia do resto da vida da cópia privada, é improvável que se assista a uma alteração de preços generalizada já na próxima segunda-feira. «Os equipamentos que foram comprados antes da lei entrar em vigor e que se encontram nos armazéns e nas estantes das lojas não têm de pagar taxa, mesmo sendo vendidos depois da lei entrar em vigor. E por isso prevê-se que ainda leve alguns dias até que estas tarifas comecem a ser aplicada», explica João David Nunes, representante da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) que assume atualmente a presidência da Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP), defendendo que a lei prevê a aplicação de «tarifas» e não taxas.
Nuno Marques acrescenta um dado que pode ser útil para perceber quanto tempo demorarão os preços dos diferentes gadgets a serem atualizados nas diferentes lojas do País: «geralmente, o stock existente nas lojas dá para pouco mais de uma semana de vendas».
A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), que representa retalhistas e lojistas e que se pronunciou por diversas vezes contra a aplicação das taxas, estaria em posição privilegiada para se pronunciar sobre o assunto, mas apesar de contactada atempadamente recusou responder às questões da Exame Informática, remetendo para mais tarde uma posição sobre este assunto.
Na Secretaria de Estado da Cultura (SEC) a entrada em vigor da nova lei é encarada como uma missão cumprida. Aos críticos, os responsáveis políticos da atualização da lei recordam os 22 países da UE que já aplicaram taxas similares, e a decisão recente do Supremo Tribunal de Justiça do Reino Unido que considerou ilegal o processo de cópia privada sem a existência de um mecanismo de compensação aos autores: «A adaptação da lei às necessidades e exigências atuais garante uma justa composição dos direitos e interesses envolvidos, permitindo assegurar o equilíbrio adequado entre autores, artistas, produtores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento do sector cultural e criativo e para a pluralidade de conteúdos em contexto digital, estimulando assim um dos sectores mais dinâmicos da economia portuguesa», refere um e-mail da SEC, em resposta oficial a questões colocadas pela Exame Informática.
Paulo Santos, líder da Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais (conhecida por FEVIP) classifica como positivo o trabalho da SEC no que toca à aplicação das taxas: «Se a lei não fosse atualizada, o Estado português teria de pagar uma pesada multa por não transpor as diretivas europeias».
«Agora há que encontrar pontos de encontro entre os vários operadores económicos. Deviam ser aplicadas regras procedimentais que facilitem todo o processo relacionado com as taxas», acrescenta o responsável da FEVIP.
No lado “oposto da barricada”, José Valverde dá voz a um misto de desalento e esperança: «Lamento a opção que se fez. Houve inúmeras manifestações contra as taxas… até de deputados. Mas penso que é algo que continua na agenda da Comissão Europeia que já apontou a reforma dos direitos de autor como uma das reformas que poderão vir a integrar o pacote legislativo do Mercado Único Digital».
Por entre elogios e críticas, a lei vai mesmo avançar, obrigando importadores e retalhistas a encaminharem, trimestralmente, para AGECOP os montantes relativos às taxas da cópia privada que foram coletados em consonância com o número e as características dos equipamentos comercializados. «Adicionalmente, (essas empresas) têm de realizar uma comunicação semestral à Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) e à AGECOP com a seguinte informação: quantidades de aparelhos e suportes cujo preço inclui a compensação equitativa, preço de venda dos aparelhos e suportes a que acresce a compensação equitativa e compensação equitativa total cobrada. O não envio dessa informação constitui contraordenação punível com coima», recorda a SEC.