Mais uma certeza que se quebra nas leis da Física. Até aqui, era certo que materiais frágeis fraturam devido à propagação rápida de fissuras que libertam energia elástica numa zona localizada, ou seja, nas suas extremidades. Agora, um estudo pioneiro conseguiu provar, usando materiais com uma maior elasticidade submetidos a grandes deformações, que essas fissuras têm a capacidade de acelerar além do limite da velocidade do som numa superfície livre, conhecido por velocidade da onda de Rayleigh.
Com este trabalho de física não linear, realizado em laboratório, a equipa de cientistas do Racah Institute of Physics, da Universidade Hebraica de Jerusalém, conseguiu derrubar certezas e desafiar a compreensão que se tinha da mecânica da fratura convencional. Os resultados acabam de ser divulgados na revista Science e representam, por isso, uma mudança de paradigma.
O físico Jay Fineberg é um dos três investigadores envolvidos na descoberta. No seu site, apresenta um vídeo em que explica, com pequenas demonstrações, como é que um objeto se parte e, ainda, porque é que perceber como se comportam as fissuras e a sua propagação – que focam a energia das forças de tração exercidas na superfície – pode ampliar a compreensão de fenómenos distintos, seja a quebra do ecrã de um telemóvel ou um acontecimento natural, como um sismo.
Será caso para dizer que “o material tem sempre razão”?
Contactado pela VISÃO, Fineberg fez saber que “estes novos tipos de fissuras têm semelhanças com terramotos descobertos recentemente, que podem ultrapassar a velocidade do som (ondas de corte)”. E adianta: “As ondas de choque geradas por elas podem criar danos significativamente maiores do que os sismos ‘padrão’, que são, essencialmente, fissuras clássicas.” Daí a importância de “compreender os mecanismos que pautam o seu comportamento”, conclui.
Já João Oliveira, professor no Departamento de Ciência dos Materiais da NOVA FCT e cientista do Centro de Investigação de Materiais (CENIMAT), convidado a comentar o estudo, começa por dar uma ideia do que está em jogo, partindo de situações concretas: “Quanto mais frágil for um objeto – um tijolo ou ou uma régua, por exemplo – menor é a deformação que aguenta até à ocorrência da fratura.”
Uma vez submetido a tração, o material liberta energia, permitindo que a fissura se propague de uma ponta a outra. “No caso dos vidros inquebráveis, o material comporta-se de forma a dificultar a propagação de fissuras”, esclarece o investigador.
A descoberta da equipa da Universidade Hebraica de Jerusalém pode vir a ter implicações em diversas áreas. No caso dos terramotos, “se as fissuras se propagarem a uma velocidade muito rápida, além da velocidade do som, é de admitir que cheguem mais depressa aos equipamentos que detetam os movimentos gerados pelas ondas sísmicas”.
A mesma lógica se aplica aos sistemas elétricos. “Se o problema for num fusível mecânico, ele responderá mais depressa, levando ao fecho de um circuito antes de haver sobrecarga, que comprometeria a segurança.”
Por enquanto, trata-se apenas de ciência teórica, mas saber que certas fissuras podem ir além dos limites clássicos de velocidade é mais um passo no estudo da mecânica da fratura e, por conseguinte, da aplicação desse conhecimento num futuro próximo.