Para todos os corredores, atletas, maratonistas e ultramaratonistas alcançarem os melhores resultados, a forma do seu corpo pode ser tão importante quanto o treino.
Ao analisar o desempenho de 173 triatletas (98 homens e 75 mulheres) de provas IronMan – em que têm de nadar 3,8 quilómetros, pedalar 180 quilómetros em bicicleta, por vezes com subidas íngremes e fazer mais 42,195 quilómetros a correr, elevações incluídas – um novo estudo chegou a conclusões inéditas.
Não há dúvidas de que o treino, a condição física, a nutrição e a força mental constituem grande parte da fórmula de sucesso para ter bons resultados, mas um novo estudo sugere que, dependendo do clima, certos tipos de corpos podem ajudar os atletas a regular melhor a sua temperatura. As pessoas mais altas, mais magras e com braços e pernas compridos tiveram melhor desempenho em climas quentes, enquanto as mais baixas, robustas e fortes, com membros mais curtos, tiveram vantagem em temperaturas mais frias. Um padrão mais acentuado nos homens, é certo.
O estudo, conduzido por Ryan Calsbeek, professor de Ciências Biológicas, no Dartmouth College, em Hanover, no estado norte-americano de New Hampshire, é um dos primeiros a sugerir que a fisiologia humana pode ser adaptada ao clima para otimizar o desempenho físico. “Padrões globais de temperatura e clima podem ter moldado os tipos de corpo humano para que tenham a aparência e o desempenho que têm”, explica.
O que acontece entre os humanos é exatamente igual ao que se passa no reino animal, em que há espécies adaptadas ao frio, que tendem a ser mais corpulentas, com membros mais grossos e curtos para limitar a perda de calor. E em climas mais quentes, os físicos humanos e animais mais elegantes são assim constituídos para se refrescarem com eficácia.
Estes novos resultados, publicados na revista Plos One, acrescentam mais informação a um conjunto de regras ecológicas, estabelecidas durante o século XIX pelos biólogos Carl Bergmann e Joel Allen, que ajudam a entender como as espécies sobrevivem em vários ambientes. Se antes, as diferenças estavam relacionadas com a regulação do calor, o novo estudo investigou mais a fundo a relação entre tamanho do corpo, forma do corpo e temperatura em situações extremas. E, à medida que as alterações climáticas continuam a aumentar a temperatura do planeta, mais mudanças podem ser esperadas no tamanho do corpo humano.
Os 173 atletas profissionais de provas IronMan foram analisados durante 20 anos, entre 2001 e 2021, sendo que os selecionados competiram em, pelo menos, um lugar quente e outro frio. Foram usadas fotografias e software de imagens digitais para determinar o físico de cada participante, com medidas do comprimento do torso, comprimento dos braços, comprimento das pernas, altura e peso. Também foi registada a temperatura máxima diária, bem como quanto tempo os atletas levaram para completar a prova.
A relação entre a forma do corpo e a temperatura apenas foi evidente durante a corrida. Os seres humanos são excelentes corredores de resistência, capazes de percorrer longas distâncias em velocidades mais rápidas do que outros primatas, cães ou cavalos.
Os homens com braços e pernas mais longos, em relação ao tamanho do corpo e ao comprimento total, correram mais rápido em condições mais quentes, enquanto os homens com braços e pernas mais curtos correram mais rápido em condições mais frias.
A explicação dada é simples: o calor perde-se através da superfície do corpo. Alguém que tem uma superfície menor face à área e ao volume irradiará menos calor corporal, o que é mais adequado para condições mais frias. Corpos mais pequenos também têm menos células e podem gerar menos calor corporal a partir do metabolismo celular.
Segundo o professor Ryan Calsbeek, tendências semelhantes estavam parcialmente presentes em mulheres, embora com um padrão menos acentuado.
“Não é totalmente claro para mim porque é que as diferenças na forma do corpo masculino devem ter um impacto diferente no desempenho face às diferenças na forma do corpo feminino. O impacto deve ser o mesmo em homens e mulheres porque o suposto mecanismo de perda e retenção de calor é apenas físico”, explicou Mark Collard, antropólogo evolucionário da Universidade Simon Fraser, no Canadá, ao jornal The Washington Post.
Para abordar as diferenças de género no seu estudo, Calsbeek propôs que a distribuição da gordura corporal e das glândulas sudoríparas nas mulheres poderia ser diferente da dos homens e desempenhar um papel maior na perda de calor.
De acordo com a opinião de Michelle Baillot, cientista desportiva que não participou no estudo, as mulheres apresentam uma taxa menor de suor, o que pode ser uma vantagem num clima tropical – mesmo a suar, não ajuda a libertar o calor. As mulheres também produzem menos calor metabólico por terem menos massa muscular, comparando com homens da mesma categoria de prova.
Ou será que a qualidade do treino conta? Anteriormente, Beat Knechtle, médico e triatleta de provas IronMan, descobriu que a percentagem de gordura corporal estava relacionada ao tempo de corrida em triatletas masculinos, mas o volume de treino estava associado ao tempo de corrida das triatletas.
O antropólogo Mark Collard já tinha aferido que o Homem moderno exibe diferenças nos tamanhos corporais, dependendo da sua latitude e temperatura. No entanto, o padrão está a ficar mais fraco na população em geral nas últimas décadas, pois os humanos têm maneiras de modificar o ambiente em seu redor.
“O mais importante é treinar de forma intensa, tendo ferramentas mentais para avançar quando fica brutalmente difícil. Se o objetivo é terminar, o tipo de corpo não vai impedi-lo de fazer”, constata Ryan Calsbeek.