Esquerda, direita, cruzado, uppercut”. Sob o olhar atento do personal trainer (PT) Marcos Porto, conhecido por Tayssinho, as praticantes concentram-se na sequência de movimentos de defesa e de ataque com parceiro imaginário (“a sombra”) e repetem o exercício na luta a duas. Depois do ritual inicial de envolver as mãos com ligaduras, de calçar as luvas e da fase do aquecimento – com treino funcional e de preparação, em que há lugar para as flexões, os abdominais e os agachamentos –, seguem-se os golpes com impacto no saco e as técnicas aperfeiçoadas a dois.
A prática termina com exercícios de flexibilidade, alongamentos e a saudação dos participantes. Ou das protagonistas, quase apetece dizer. É que desde que abriu portas, na capital, há um ano e meio, o ginásio 1 Fight tem registado uma procura crescente das aulas de boxe, com destaque para as chamadas Miss Fight, só para elas. “Costumam estar sempre cheias e nas aulas de grupo, mistas, a proporção entre homens e mulheres é quase idêntica”, afirma o diretor comercial, Francisco Lagoa Marques, acrescentando que regista uma presença expressiva de jovens adultos, embora com muitas pessoas maduras, havendo até quem tenha 70 anos.
O que vemos na sala ampla – “atletas” sem capacete, muitas mãos com unhas tratadas e pintadas e indumentária fitness – nada tem que ver com a ideia do boxe de competição ou da cultura associada a filmes como Clube de Combate e afins. Quem chega traz roupa confortável, bandas para envolver as mãos, luvas, toalha, água e calçado desportivo. A ausência de espelhos no recinto é intencional: desta forma, minimiza-se a possibilidade de alguém poder sentir-se diminuído, de maneira a poder progredir ao seu ritmo e alcançar a meta pretendida, num clima de entreajuda e sem comparações de qualquer tipo, desde o género à idade, passando pelo grau de experiência.
“O boxe pratica-se sobretudo na vertente do exercício físico”, salienta Francisco. Talvez seja esse o segredo da nova tendência: cativar quem já faz crossfit, treino cardio e de resistência, e deseja uma prática desportiva para manter a forma e o treino de intensidade, com acompanhamento e sem risco de lesões, comuns noutras modalidades de combate que têm vindo a ganhar popularidade desde o início da década.
Não é imperativo iniciar-se no boxe como complemento da rotina desportiva, mas acontece com frequência. A estudante Filipa Sampaio, por exemplo, passa boa parte do tempo na Universidade Católica, em Lisboa, e outro tanto como instagrammer. As aulas de boxe semanais e personalizadas ocupam um lugar importante na sua vida, que partilha com os seus seguidores. “O meu namorado faz MMA (artes marciais mistas) e eu já fazia musculação e cardio”, começa por dizer, após o seu treino. “Decidi experimentar o boxe, achei o conceito interessante e por ser num espaço amplo de porta aberta, além de uma boa maneira de manter a forma em ambiente familiar.”
A portuense Mafalda Joyce, 22 anos, jogou voleibol durante dez e fazia crossfit. Quando ingressou na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e passou a morar em Lisboa, ficou fascinada pelas aulas de grupo Miss Fight e só vê ganhos no tempo que investe no ginásio, que frequenta três vezes por semana: “É um treino muito completo que tem a vantagem de libertar stresse e ajudar a perder peso e a ter mais coordenação.” O seu círculo de amigos e família ainda estranhou, no início, o interesse pelo boxe, mas agora é diferente: “Percebem que não nos magoamos!”
Do ringue para o fitness
Entretanto, chega Tayssinho, 52 anos, estatura pequena, um peso que equivale ao de dois sacos de boxe (25 quilos cada) e uma agilidade surpreendente. À primeira vista ninguém diria que foi vice-campeão sul-americano de boxe nos anos 1990. Ou que trouxe a disciplina e a técnica do ringue para o fitness e para a vida dos que com ele treinam e aprendem: “O autodomínio está na cabeça e na mão da pessoa, não tem nada que ver com dar pancada!” Os “atletas”, como gosta de chamar aos praticantes, “descarregam tensões no saco e comigo; faço muitas fintas e lutam até se cansarem”. Quanto à reação delas, “adoram”.
Na rede de ginásios Holmes Place, o fenómeno é idêntico, com as aulas de kickboxing a serem cada vez mais procuradas, sobretudo por mulheres. Na aula da hora de almoço, em Miraflores, que estava cheia, a maioria era do sexo feminino. É com gosto que cumprem o ritual de envolver as mãos com as ligaduras e trocam impressões antes de passarem à fase de aquecimento. Enquanto terminam a tarefa, o instrutor e ex-atleta Eduardo Freire aproveita para explicar a variante kick, que trabalha a técnica do boxe mas incluindo os exercícios com as pernas: “É um bom desporto de combate, não uma luta, e combina treino funcional com contacto controlado, com saco e a pares.” A imagem do lutador com capacete e protetor de boca, a contar com graus variáveis de violência e lesões, não se aplica aos espaços de fitness, onde o ringue serve sobretudo para os mais avançados.
A aula no Holmes está prestes a arrancar. Filipa Sousa, 35 anos, empresária de serviços médicos, atualmente grávida, vê nesta modalidade “um treino altamente completo de hora e meia e uma técnica de defesa”. A colega, Regina Rua, com mais sete anos, destaca “a coordenação motora como uma boa forma de modelar o corpo”. Antes de iniciar mais uma aula mista na qual as mulheres estão em maioria, Eduardo remata: “Vêm e percebem que ganham agilidade, resistência, trabalham a parte cardio e têm a motivação do grupo.” Definitivamente, o boxe converteu-se numa moda fitness: desenvolver a agilidade e a força, de preferência em equipa, é o novo sexy. Ou outro símbolo do poder feminino.
Ginástica, socos e cabeça fria
Um treino de alta intensidade que modela o corpo, traz mestria e cativa cada vez mais adeptos
Vantagens
1 – Treino completo para manter a forma e queimar calorias
2 – Fortalece os músculos centrais do corpo e aumenta a definição dos braços e das pernas
3 – Aumenta a força física e o nível de resistência
4 – Melhora a coordenação motora e a capacidade de foco
5 – Liberta tensões físicas e alivia o stresse
6 – Promove a autoconfiança
A ter em conta
– Contusões (raras) em caso de movimento acidental ou queda
– Possibilidade (baixa) de lesões (cartilagem, tecidos, músculos)
– Evitar exercícios com impacto em casos de problemas osteoarticulares
“Boxexercício”
O que precisa de saber sobre esta prática desportiva
Aquecimento e condicionamento físico
Saltos e corrida
Flexões, abdominais, agachamentos
Dar socos em almofadas ou no saco
“Sparring”
Treino preparatório com parceiro real ou imaginário a fim de aperfeiçoar a técnica de ataque e de esquiva
Técnicas comuns
Jab: soco frontal rápido com o punho da mão que está à frente
Direto: soco frontal rápido e forte com o punho que está atrás
Gancho: golpe de baixo para cima na direção da cintura
Cruzado: golpe rápido da esquerda para a direita (ou vice-versa) em direção ao rosto ou à zona lateral do tronco
Uppercut: golpe de baixo para cima na direção do queixo