Os primeiros passos de uma dança – a dois, a três ou com quem mais tiver assento parlamentar – já foram prometidos. O convite do Bloco de Esquerda para um encontro com o Partido Socialista no dia 31 de janeiro, logo a seguir às eleições, teve esta segunda, 24, uma resposta de António Costa, forçada pelas sondagens. “Nunca recusei qualquer conversa com o BE… vamos ter de falar com todos os partidos com assento parlamentar, à exceção do Chega, com quem não há muito a falar”, esclareceu. À entrada para uma ação de campanha, no Porto, dedicada à cultura, Catarina Martins mostrava-se disponível para ouvir mais. “Registo que o Partido Socialista deixou de falar de maioria absoluta e compreendeu a necessidade de haver entendimentos… e ainda bem. Espero que seja possível, nestes dias que faltam de campanha, o PS dar outro passo e ser mais claro nesta definição de que Portugal precisa de um contrato para o País, que resolva os problemas do trabalho, da saúde e das pensões”, apontou. Algo que, recorda a dirigente do Bloco, já tinha sido proposto em 2019 e recusado, “um erro que toda gente já percebeu”. Questionada sobre a possibilidade de uma nova geringonça, respondeu que “nunca se volta para trás, constrói-se uma solução para o tempo em que vivemos”. E concluiu: “O BE, enquanto terceira força política, será a garantia que não haverá maioria de direita neste País”.

Para a sessão com o slogan “Direito à Cultura, Cultura com Direitos”, o BE escolheu o Porto, uma cidade que não esquece, segundo Catarina Martins, os anos em que o PSD governou o município, comparando Rui Rio a um “príncipe que dava esmolas a quem entendesse, tendo os artistas que assinar um papel em que se comprometiam a não criticar a sua política cultural”. E assim parece, a julgar pela palavra dada aos profissionais de diferentes áreas da cultura, do teatro ao cinema, passando pela gestão do património, que marcaram presença na sala do Coliseu do Porto. “Quando penso no Rui Rio lembro-me de um slogan, dito por altura da destruição das torres do Bairro do Aleixo, mas que é oportuno: Um rio que só serve para fazer despejos é um esgoto”, declarou Adelaide Teixeira, histórica atriz da cidade.

A atuação do governo socialista foi igualmente criticada pelo Bloco, desde a ineficiência da concentração de organismos feita pelo Ministério da Cultura, passando pela precariedade do setor. “Há um entendimento que só há trabalhadores independentes e não sei onde foram buscar isso. Só pode haver uma explicação: o de quererem um exército a trabalhar por nada. Acabar o trabalho informal está ao nosso alcance”, sublinhou Catarina Martins – ela que abandonou a carreira teatral para enveredar pela política. A incapacidade de aumentar o financiamento, nomeadamente em tempos de pandemia, foi destacada. À inscrição no Orçamento do Estado da dotação de 1% do PIB para a Cultura, proposta pelo BE, o PS contrapôs no seu programa eleitoral que quer “aumentar a ambição orçamental de investimento da Cultura para 2,5% da despesa discricionária”. “É quase ofensivo que continuemos tão longe do 1% e digam que querem chegar ao 2%, como se fosse um leilão”, apontou Sara Barros Leitão, atriz, dramaturga e ativista. Enquanto dirigente da Plateia – Associação de Profissionais de Artes Cénicas, envolveu-se na criação do Estatuto dos Profissionais da Cultura, que o BE quer agora alterar. Para Sara, “o estatuto tem muitas fragilidades, mas foi um bom começo… o importante é não voltar para trás, o que pode acontecer no dia seguinte às eleições”. O perigo, defende, está à espreita, basta consultar o programa dos partidos.