Em dezembro de 2007, o futebolista Roque Santa Cruz, então a jogar pelo Blackburn, marcou três golos no jogo contra o Wigan. Uma noite de sonho do paraguaio, não se desse a situação de o hat-trick não ter servido de nada: a sua equipa perdeu por 5-3.
Nesta noite, o Livre vestiu a camisola de Roque Santa Cruz. A cada anúncio de um deputado eleito, anunciado no ecrã gigante – primeiro, Jorge Pinto, pelo Porto, depois Rui Tavares, por Lisboa, depois Isabel Mendes Lopes, também por Lisboa, depois Paulo Muacho, por Setúbal -, o Teatro Thalia, sede do Livre, irrompia em êxtase, como que a comemorar um golo. O objetivo de Rui Tavares era passar a ter companhia no hemiciclo, e efetivamente conseguiu um grupo parlamentar.
Uma grande exibição, sem dúvida. Mas a sua equipa – a esquerda – perdeu. Pedro Nuno Santos ainda pode ganhar no foto finish (ficam a faltar os dos círculos da emigração), mas o PS baixou de 120 deputados para cerca de 80, a CDU de 6 para 3, e o BE manteve os mesmos 5, o que é pelo menos uma desilusão, ao fim de uma campanha que parecia ter corrido bem a Mariana Mortágua (descontando a polémica com a avó).
Um candidato do Livre admitiu à VISÃO que o partido ter atingido a meta assumida deixou na boca um sabor “agridoce”, não só devido à derrota coletiva da esquerda e da vitória da AD, mas acima de tudo à sombra do resultado estrondoso do Chega.
O militante explica a exceção do Livre, face à queda do BE e da CDU (vertiginosa, aqui), com as posições dogmáticas dos outros partidos de esquerda em política externa: a oposição à NATO e, no caso da CDU, também a postura encarada como pró-russa no conflito na Ucrânia. O Livre conseguiu, assim, distinguir-se dos outros e surgir como o adulto na sala da esquerda, ao defender uma estratégia de defesa europeia para enfrentar a ameaça da Rússia e com um posicionamento pró-Ucrânia, sem mas nem meio mas.
“São umas eleições muito disputadas, que nos deixam na incerteza”, começaria por dizer Rui Tavares, no seu discurso, ainda antes de se saber se PS ou AD acabaria na frente (e quando ainda havia alguma esperança de que o Livre ganharia um quinto mandato). “Não sabemos que governabilidade podemos ter nos próximos meses. Mas há duas certezas: a primeira é que há espaço para a esquerda verde europeia em Portugal, e o segunda é que o Livre com um grupo parlamentar, sendo um dos poucos que cresceu nestas eleições, vai trabalhar muito para servir o nosso país.”
Rui Tavares agradeceu em especial “às minorias de qualquer género no nosso país” e às mulheres, “que viram os seus direitos sob ataque de um discurso revanchista, reacionário de regressão”. E identificou em especial os ciganos, com o Chega na mira. “Estão cá há 500 anos e são ainda objeto de um preconceito muito arreigado na nossa sociedade, e que alguns utilizaram para subir na atenção mediática e nas eleições, de uma forma vil. O Livre está convosco. Ninguém larga a mão de ninguém.”
“Não passarão”, grita-se em uníssono, no Teatro Thalia.
Mas, para já, vão passando.