“Há dois motivos que justificam esta aquisição: o ano da morte de Paula Rego e a altura em que teremos um novo museu no espaço onde até agora esteve o Museu Berardo”, a partir de terça-feira, revelou o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, em declarações à agência Lusa.
A pintura a óleo e técnica mista sobre tela foi adquirida pelo Estado por 400 mil euros à família da artista, escolhida por constituir uma referência marcante da trajetória de uma das mais destacadas artistas portuguesas a nível internacional, que morreu em junho, aos 87 anos.
“Seria impensável ter um novo museu de arte contemporânea [instalado no Centro Cultural de Belém] que não tivesse uma peça significativa da Paula Rego pertencente ao Estado Português”, sublinhou o ministro da Cultura sobre a aquisição que irá ficar em depósito já no ex-Museu Berardo, cujo nome deverá ser divulgado no início da semana, na sequência da extinção da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea — Coleção Berardo.
De acordo com a tutela, a escolha de “O Impostor” foi feita a partir de sugestões da família de Paula Rego, e depois com base numa proposta da curadora da Coleção de Arte Contemporânea do Estado (CACE), Sandra Jurgens.
A CACE passará a ter 10 peças da pintora Paula Rego: “[A Coleção] já tinha oito, quatro em depósito em Serralves [no Porto] e mais quatro no [Centro de Arte Contemporânea] em Coimbra, e passou a ter nove com a entrada de uma obra que se encontrava na Coleção Ellipse, este ano adquirida pelo Estado”, indicou o ministro da Cultura à Lusa.
“Sem desvalorizar as outras, esta peça é muito maior, e tem outro significado e relevância para estar exposta num museu de arte contemporânea com um perfil internacional”, sublinhou Pedro Adão e Silva sobre o novo projeto que será desenvolvido ao longo do ano, findos os 15 anos de comodato acordado entre o Estado e o colecionador e empresário José Berardo, cuja coleção de arte está arrestada pela justiça e à guarda do CCB.
Adão e Silva recordou que a iniciativa “é um sinal, um contributo” que responde ao apelo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quando Paula Rego morreu, no sentido de serem feitas mais aquisições para Portugal.
Questionado sobre o critério para a seleção de uma obra onde o ditador António de Oliveira Salazar (1889-1970) surge representado satiricamente como um polvo, Pedro Adão e Silva explicou que é “muito emblemática por várias razões”.
“Foi uma opção por uma peça de um período onde há lacunas significativas da presença de obras de Paula Rego em Portugal, da década de 1960, um período importante para a identidade da artista, e em que o tema da ditadura em Portugal está muito presente”, justificou.
A pintura, criada em 1964, com 179 por 158 centímetros, esteve na primeira exposição de Paula Rego em Portugal, em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em 1965.
“De certa forma, a simbologia também é essa: é uma peça que regressa a Portugal, e regressa a um país já democrático”, salientou Pedro Adão e Silva à Lusa.
“O Impostor” encontra-se atualmente em exibição no Museu de Pera, no centro histórico de Istambul, numa retrospetiva dedicada à artista — devido a um compromisso prévio -, e deverá vir para Portugal depois do encerramento da exposição, a 30 de abril.
Para Nick Willing, um dos filhos de Paula Rego, “é uma honra que uma obra muito importante” da artista, realizada no Albert Street Studio, em Londres, no Reino Unido, onde a autora se radicou a partir dos anos 1970, seja integrada numa coleção do Estado Português.
“Naquela altura, a minha mãe fez muitas obras em estilo figurativo a criticar Salazar. A polícia política estava sempre de olho nela, quando vinha a Portugal”, relatou o realizador, contactado pela Lusa.
O chefe do Governo da ditadura surge, por isso, dissimuladamente retratado como um polvo, “uma criatura escorregadia com braços suficientes para controlar todos os aspetos da vida portuguesa”, e, segundo Willing, esta é uma das poucas obras que mantiveram o nome original.
“Praticamente todas estas pinturas tiveram de mudar de nome, e só algumas pessoas conheciam o seu significado. Por medo de ser presa, a minha mãe escondeu-a na casa dos pais dela no Estoril”, relatou.
Ali ficou esquecida, e só mais tarde, nos anos 1990, numa renovação do interior, a família foi surpreendida pela descoberta, escondida num compartimento secreto, atrás de uma cortina.
No quadro surge rabiscada no polvo a data 1928, quando foi entregue a Salazar a pasta das Finanças no Governo, e outros sinais que a pintora deixava para interpretação de quem neles reparasse: “Esta imagem é uma das críticas mais diretas ao regime que ela fez na década de 1960”, salientou o filho de Paula Rego.
Anteriormente mostrada “em muitos museus, é uma honra que fique agora em Lisboa, num dos museus mais importantes de Portugal e a nível internacional”, disse Nick Willing, que, além disso, vincou, “tem a ver com a história do país”.
“Se fosse para Espanha ou para os Estados Unidos da América não seria a mesma coisa”, comentou, acrescentando que “a pouco e pouco, a família está a encontrar boas ´casas´ para os ´bonecos´ da mãe” – como Paula Rego lhes chamava -, “em vendas por valores mais acessíveis, com a condição das obras serem exibidas o mais possível ao público”.
No dia da morte de Paula Rego, a 08 de junho, em Londres, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, depois de manifestar pesar pelo desaparecimento da pintora, destacou a importância da compra de duas obras da artista realizada pela Fundação Calouste Gulbenkian (“O Anjo” e “O Banho Turco”), pedindo ao Estado e privados que completassem essa iniciativa.
Em setembro, a Câmara Municipal de Cascais tinha revelado à Lusa a compra da pintura “The Exile” (1963), por 240 mil euros, e a doação das telas “Day” e “Night” (1954), todas da coleção da família da pintora, para o acervo da Casa das Histórias Paula Rego, museu dedicado à obra da artista naquele município.
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