Inês Sousa Real: “Não há orçamentos grátis…”

Inês Sousa Real: “Não há orçamentos grátis…”

Aos 42 anos, completados esta semana, Inês Sousa Real é a porta-voz e deputada “sobrevivente” do PAN (partido Pessoas Animais e Natureza) na Assembleia da República. Na semana em que o seu partido apresenta a proposta de criminalização do “ecocídio”, a parlamentar fala da génese anmalista e ambiental do PAN e reivindica conquistas na negociação do Orçamento do Estado.

O PAN acaba de apresentar o seu projeto para criminalizar o ecocídio. O que é o ecocídio?
A principal finalidade é a de criminalizar agressões ao ambiente que sejam muito graves ou irreversíveis e que ponham em causa a própria sobrevivência humana.

A devastação da floresta da Amazónia é um exemplo de ecocídio?
Sim, é um exemplo claro de ecocídio.

Puxar dos galões O entendimento com o Governo para a abstenção no Orçamento teve a contrapartida de 100 milhões de investimento “com impacto direto na vida das pessoas”, diz a deputada 

Mas é possível fazer a prova do crime? Fazer uma acusação fundamentada que reflita, sem margem para dúvidas, as consequências de determinada agressão ao ambiente?
Queremos que Portugal defenda, junto da ONU, a inscrição deste crime no Estatuto de Roma, para que o Tribunal Penal Internacional possa julgar este tipo de crimes contra a Humanidade. Mas também defendemos a alteração do nosso Código Penal. Porque os crimes contra a Natureza, tal como estão desenhados, acabam por não chegar a julgamento – apenas 6% dos processos foram a tribunal.

Mas isso tem que ver com insuficiências na lei? Ou há leis boas, o que não são é cumpridas? Ou não há fiscalização?
Há várias razões. A própria lei, por vezes, tem preceitos muito difusos, mas também tem que ver com outros fatores. Vejamos o caso dos crimes contra a Natureza, que afetam os animais em vias de extinção: não é claro quais os animais que estão em causa ou que tipo de espécies ou qual o dano considerado irreversível.

Já falámos da Amazónia. Mas identifica, em Portugal, algumas situações que se enquadrem no “dano irreversível”?
A poluição nos nossos rios, muitos já completamente inertes, é um exemplo. A construção em duna primária, o olival intensivo…

Estufas? Não fiz nada que violasse a minha sensibilidade ecológica ou contra os valores do meu partido. Na campanha, ficou clara a reação do sistema perante alguém que vem de fora…

O conceito de ecocídio apoia-se nalgum exemplo internacional?
Sim, já há alguns países – França está a tentar implementar o mesmo princípio. Temos hoje crimes ambientais cuja moldura penal pode ir até aos 12 anos, mas, na prática, os processos tendem a acabar em meras multas.

É uma argumentação parecida com a do Chega, quando exige agravamento de penas para certos crimes… É essa a solução?…
Não defendemos que as molduras penais sejam insuficientes. Mas constatamos que a aplicação das penas é que é insuficiente.

Antes das eleições, a senhora foi alvo de um ataque relacionado com a sua ligação a uma empresa familiar de exploração frutícola, com estufas (afinal, eram túneis). De que forma isso terá contribuído para o fraco desempenho eleitoral do PAN?
Ficou claro o que se passou. Não fiz nada que violasse a minha sensibilidade ecológica ou que fosse contra os valores defendidos pelo meu partido. O PAN defende a agricultura familiar, a agricultura biológica e boas práticas produtivas. E quem não tem boas práticas também deve ser apoiado para poder reconverter as suas explorações. O preconceito de que o PAN é contra o mundo rural não faz sentido. Pelo contrário. Durante a campanha, ficou claro que a reação do sistema, quando alguém vem de fora, que vem da sociedade civil, como era o meu caso, é o ataque. .

Outra polémica prendeu-se com a alegada utilização de um inseticida perigoso, muito nocivo para o ambiente, contra a mosca da fruta, o Delegate 250 WG, anunciado na página de uma das empresas, a Red Fields. O próprio site da VISÃO falou disso, mas a senhora desmente veementemente. Quer esclarecer?
É um produto que requer autorização para ser usado. Mas não só nunca foi utilizado por essa empresa a que estive ligada, como nem foi pedida autorização. Nem sequer fazia sentido, porque, quanto mais não fosse, a empresa nem tinha ainda produção…

Mas aquela publicação na página da empresa parecia, então, publicidade ao produto…
De forma nenhuma. Na altura, havia um ataque muito devastador desse inseto. Aquele post era meramente informativo, dando conta de um produto que, sob autorização e mediante determinados critérios, poderia, em último caso, e em circunstâncias excecionais, ser utilizado. Era um post informativo a dizer que essa aplicação carecia de um pedido de autorização junto da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária. Só isso.

Também publicaram informação sobre a utilização de abelhas – abelhões – não autóctones para a polinização. Esses abelhões não são perigosos?
[Risos.] Esses abelhões não só são autóctones, como fazem muita falta e temos o dever de os preservar! Existem no Parque Natural da Costa Vicentina, em várias regiões do nosso país e em toda a Península Ibérica!

O PAN tem feito um apelo à redução do consumo de carne, seja pela pegada ecológica, a saúde humana ou o bem-estar animal. Mas a imagem de radicalismo ou proibicionismo é uma caricatura grosseira

Mas as publicações foram apagadas… Porquê?
A página foi ocultada. Não era justo que a minha exposição política estivesse a prejudicar a empresa do meu marido – que nem sequer era exclusivamente familiar.

A agricultura biológica e a agricultura familiar respondem ao problema da alimentação humana?
Do ponto de vista interno, se ajudássemos os agricultores a reconverterem e a enveredarem por boas práticas, responderia, sim.

A questão é a da rentabilidade e a da quantidade. Um batatal biológico produz muito menos batatas…
Quando o PAN defende a produção autóctone, biológica, familiar e com boas práticas, defende também um novo critério de apoios públicos. Se o mirtilo biológico só terá produção daqui a três anos, aumente-se o apoio à produção biológica e isso ajudará a agricultura a reconverter-se e a produzir escala. E também temos de regressar a uma certa sazonalidade. Nós habituámo-nos a ter a laranja o ano todo, a maçã o ano todo, a pera o ano todo – os ciclos não são assim.

A pastorícia e a caça (devidamente regulamentada) contribuem para reduzir os incêndios. A exploração familiar inclui animais para a alimentação humana. Mas o PAN, em certas bandeiras – veganismo, vegetarianismo, ataque à criação de gado bovino – assume posições contranatura e radicais. Estou enganado?
O que há é muita desinformação. E um negacionismo sobre as consequências da atividade intensiva e superintensiva da pecuária. Incluindo na questão da emissão de gases com efeito de estufa. Não é a mesma coisa falarmos de uma exploração intensiva ou de um modelo familiar. O PAN tem feito um apelo à redução do consumo de carne, seja por causa da pegada ambiental, seja pela saúde humana, seja pelo bem-estar animal. Mas a imagem do PAN de partido radical ou proibicionista é uma caricatura grosseira.

Há quem aponte ao PAN uma certa leviandade na apresentação de propostas, que implicam custos orçamentais, sem que estejam devidamente fundamentadas ou contabilizadas…
O PAN tem uma grande preocupação na fundamentação das suas propostas, quer do ponto de vista financeiro quer do ponto de vista da Ciência. Até na área dos transportes, mobilidade urbana, etc. Lisboa, por exemplo, não pode ser objeto de sucessivas experiências, ora coloca ciclovia, ora retira ciclovia…

Como viu esta proposta de encerramento do trânsito na Avenida da Liberdade ao domingo (uma proposta do Livre)?
O PAN nunca apresentaria essa proposta. Talvez haja boas intenções, mas a forma como foi feita é infeliz. E a própria ideia da limitação de 30 km na velocidade pode ser contraproducente. Não podemos fazer experiências sem estudar as dinâmicas do tráfego, mas também a sua articulação com os transportes públicos, com os diferentes serviços, hospitais, etc.

O PAN é um partido de génese animalista. Não ambientalista. Estou certo?
O PAN surgiu em 2010, como “partido” de animais e Natureza, com uma componente animalista e outra ambientalista, mas esta visão do bem-estar humano, a condição animal, a proteção da Natureza, é um todo. E o PAN integrou isso depressa. Por isso é que o P de PAN quer hoje dizer “Pessoas”… Não podemos ter a expectativa de pugnar pelo bem-estar animal se os direitos humanos não estiverem assegurados. E o PAN ganhou, assim, uma forte componente de preocupação social. É exemplo o projeto housing first, que se preocupa com os sem-abrigo, e a mesma coisa com as vítimas de violência doméstica, com as casas-abrigo… A dimensão humana tem estado muito presente nas nossas políticas. E isso ficou claro neste Orçamento.

Os burros são hoje, em Portugal, um animal raro. A mecanização da agricultura, por exemplo, fez com que fossem dispensáveis. O que é que vai acontecer aos touros quando acabarem as touradas?
Não podemos confundir conservação com a tortura e a crueldade praticadas contra os animais. Os linces também estiveram ameaçados de extinção e não se lhes espeta bandarilhas…

A questão é que, sem touradas, a criação de gado bravo deixa de ser rentável. O PAN propõe a criação de reservas estatais? E sabe quanto é que isso vai custar?
Defendemos isso mesmo. Anualmente, o Estado gasta 16 milhões de euros para apoiar as touradas. Outro tanto, com a política agrícola comum, que também apoia a criação de gado para a lide. Mais as câmaras municipais, com a requalificação das praças de touros, etc. Esse dinheiro pode ser utilizado para manter a espécie na lezíria. E até potenciar o turismo de Natureza. E talvez até os privados estivessem mais interessados neste negócio do que no da tauromaquia, que sustenta muito poucos – e da qual, aliás, ainda menos vivem em exclusivo.

O PAN defenderia um referendo nacional, ou referendos regionais, sobre o tema das touradas?
Não o rejeitamos. Mas há matérias de civilização que não são referendáveis. É como a pena de morte…

O que o Estado gasta em apoios à tauromaquia pode ser canalizado para manter a espécie na lezíria, potenciando, até, atividades de turismo de Natureza

O PAN propôs a criação da licença menstrual. Parece uma proposta muito machista…
Não, de todo!

Mas a menstruação costumava ser motivo de estigmatização da mulher, para demonstrar a sua alegada incapacidade. E o PAN parece subscrever esse preconceito… A menstruação é doença?
Não é doença, mas há doenças associadas à menstruação que podem provocar dores incapacitantes e que justificam a ausência do trabalho. As mulheres, se contabilizarmos as horas de trabalho, na profissão e em casa, continuam a trabalhar mais do que os homens… O que se passa atualmente é que muitas têm de meter férias ou dias de folga durante a menstruação… E também apresentámos um projeto para prevenir a pobreza menstrual. Muitas mulheres e meninas, por motivos económicos, não têm acesso aos produtos menstruais, o que, isso sim, é incapacitante. É um debate que tem de ser feito!

António Costa anunciou que a maioria absoluta seria dialogante. Mas precisava que alguém lhe passasse esse certificado. Ao negociar e abster-se no Orçamento, o PAN deixou-se usar?
O PAN obteve conquistas muito importantes, e substanciais, neste Orçamento. Fomos o partido que mais propostas conseguiu fazer aprovar. Na especialidade, 42 medidas, e já havia outras que tínhamos conseguido que fossem aceites na proposta orçamental inicial. Em sede de especialidade, estas 42 medidas traduzem-se num investimento de perto de 100 milhões de euros. Quando conseguimos 42 milhões para combate à pobreza energética, isto tem um um impacto direto na vida das pessoas. O mesmo quando falamos de 20 milhões para os transportes públicos no Interior. A abstenção do PAN não foi gratuita. O PAN não passa cheques em branco. Não há orçamentos grátis.

Isso dá-me um bom título…
Em outubro, estávamos a sair de uma crise sanitária sem precedentes. Dissemos que não faltaríamos ao País e não faltámos. Mais importante do que saber como o Orçamento entraria na Assembleia era saber como sairia. O PAN foi mal-entendido quando disse que poderia entender-se com PS ou PSD. Mas o País precisa de dar um salto qualitativo, de uma cultura democrática de compromisso, com partidos disponíveis para contribuir para diversas soluções governativas. Olhe-se para a coligação na Alemanha…

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