Aos 43 anos, com seis livros publicados, a psicóloga clínica abriu as portas da sua casa à VISÃO e aceitou conversar em torno de uma pergunta simples mas capaz de assombrar muitos de nós, quando confrontados com o fim de um relacionamento: como se lida com o que não se fez, ou com aquilo que era evitável?
Mais cedo ou mais tarde, ganha-se perspetiva, digere-se a perda e as respostas surgem com uma clareza que então não se tinha. O tema também tem lugar no espetáculo “Conversas Sérias. O que farias se não tivesses medo?”, no Teatro Villaret, em Lisboa, que conquista plateias, e a mulher que está no palco volta a mergulhar em temas da vida privada no registo confessional, descontraído, cómico até, com que cativou o público em “Vamos lá então perceber as mulheres. Mas só um bocadinho…” e “Pessoas Estranhas”. Falámos com ela enquanto psicóloga e divorciada.
O que poderia ter sido diferente? Ou seja, o que não fez e que gostaria de ter feito?
Venho de um meio familiar atribulado: cada um dos meus pais casou três vezes e era frequente haver discussões ou estar-se a recuperar delas, e quando casei não sabia sequer como fazer para entrar num acordo sem confrontos verbais desagradáveis, sem medir forças. Estive casada durante 11 anos e tive um bom marido. Hoje estaria mais disponível para abrir o coração, amar e, mais difícil ainda, ser amada. Só mais tarde me dei conta de que era para mim doloroso receber, porque eu sabia viver em estado de défice, mas fora dele não sabia como fazer, por não me sentir merecedora do amor que aquele homem tinha para me dar, nem capaz de amá-lo como merecia.
E o que poderia ter evitado ou era dispensável, algo de que se arrependa hoje?
Esforçar-me tanto para tentar corresponder ao que achava que esperavam de mim, não só no casamento mas também na família: pais, sogros, filhos. Acumulei ressentimentos injustos em relação às pessoas às quais dedicava o meu tempo, ou não soube fazê-lo de forma saudável. Impus-me esse grau de exigência, talvez por vaidade de querer ser boa pessoa, o que representou um custo para o meu casamento, para mim e para a relação com os meus filhos.
O espetáculo “Conversas Sérias. O que farias se não tivesses medo?” surgiu daí?
O ‘Conversas Sérias’ aconteceu quando percebi, de forma mais radical, que tinha de enfrentar sozinha os meus demónios e o vazio que se tornou mais evidente após o sucesso do meu primeiro espetáculo de humor, em cena durante três anos. Eu tinha tudo aquilo que a sociedade diz que é suficiente para sermos felizes – beleza, magreza, dinheiro, um casamento, filhos, sucesso – mas não estava. Encontrar a minha paz interior tornou-se-se a coisa mais importante. Como a lagarta que tem de ir para o casulo para se tornar borboleta, percebi que o meu trilho teria de ser solitário e com o mínimo de batotas possíveis. Deixei de ir a festas de anos, a encontros de família, tirei as televisões de casa, divorciei-me. Houve quem me compreendesse e quem me chamasse egoísta. A afluência de pessoas ao ‘Conversas Sérias’ é a prova de que as pessoas querem falar dos assuntos com profundidade, de que estão a perceber que a fórmula que a sociedade propõe não funciona, apenas colabora para que vivam num secreto desespero por detrás de sorrisos e aparentes vidas perfeitas.
É possível mudar padrões de relacionamento quando se pensa em começar de novo?
Visto assim é redutor, até por pressupor a ideia romântica de ter sempre de haver outra metade, como se não nos pudéssemos bastar a nós mesmos, reduzindo o outro a uma necessidade, a uma salvação. O mundo está a mudar para melhor: os homens estão a querer ir ao encontro da sua sensibilidade, mas precisam que as mulheres sejam mais objetividade no sentido de dizerem, com clareza, o que as faz felizes. As mulheres são muitas vezes vagas, esperam ser adivinhadas, e assim, sem consciência, perpetuam o papel de vítima, da que nunca é compreendida ou ajudada. O homem, por seu lado, para se poder despedir do modelo do macho alfa, precisa de sentir que pode realmente dizer o que sente, sem que isso signifique ser dessexualizado. É que grande parte de nós, mulheres, somos machistas, e muitas vezes é isso a manter o sistema patriarcal. Mas está tudo a mudar para melhor. E o homem está também a entender que expressando o que sente, com mais vocabulário, que isso desperta em nós uma esfera de amor e compreensão.
Em síntese, mudar é possível, mas menos fácil de por em prática?
Focar-se em si e abrir o coração é um trabalho pessoal, privado, que depois permite desenvolver uma intimidade que não sufoca. Dói muito, sobretudo para nós mulheres, que vimos duma cultura, duma linhagem de mulheres que cresceram a achar que sem um homem na vida estão meio perdidas e serão mais julgadas. E é um trabalho individual que implica ter a coragem de abrir caminho e que não passa por haver um outro na vida de cada um, até porque se esse trabalho for feito para agradar e não por escolha própria, acaba por soar a forçado e não resulta.
O espetáculo ‘Conversas Sérias. O que farias se não tivesses medo?’ vai estar no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, no dia 25 de março. A 18 e 19 de abril, Marta fará um workshop no Teatro Villaret, em Lisboa, sob o tema ‘Viver no Agora e Ser Livre’