Sem janela por onde entrasse luz natural, a cela onde Luaty Beirão foi aferrolhado quando chegou à prisão de Calomboloca, na periferia de Luanda, em junho de 2015, era conhecida como “a cela dos 21 dias”, por ser esse o tempo máximo que os presos malcomportados ali eram deixados em isolamento. Detido juntamente com outros 16 ativistas, quando discutiam um livro considerado maldito pelo regime de José Eduardo dos Santos, Luaty estava ali fechado há oito dias quando lhe foi finalmente permitido ter papel e caneta. “Naquele instante, era o melhor presente do mundo”, recorda o músico, cuja detenção acabou por durar mais de um ano, incluindo três meses de prisão domiciliária e uma greve de fome de 36 dias.
São as anotações que toma a partir desse momento o coração deste Sou Então Mais Livre, Então – Diário de um preso político angolano. Ou melhor: são parte dessas notas, as tomadas num primeiro caderno (115 páginas escritas em 13 dias), pois um segundo volume foi apreendido pelas autoridades prisionais (o primeiro safou-se porque saiu clandestinamente da prisão). Um terceiro conjunto é também aqui publicado, mas não tem já a forma de diário. Luaty evitou o tom confessional, porque o caderno havia sido oferecido pela psicóloga -chefe da prisão, com o objetivo de iniciarem “sessões de diálogo”.
O ativista começa pelos “elogios” (a humanidade dos funcionários, por exemplo) e segue descrevendo o seu quotidiano, que, com o passar do tempo, e apesar de já lhe ser permitido ir ao pátio e ter visitas, vai pesando. Os motivos da recusa em aceitar comida (e a primeira vez em que come obriga o guarda a provar antes dele), os livros que o reeducador da prisão não autoriza, as conversas com o diretor da prisão – mas também os sonhos, as notícias da solidariedade no exterior (Agualusa sempre presente), os desenhos do espaço da prisão, as ideias e rimas para canções. É, aliás, uma delas que dá título ao livro, dedicado a José Eduardo dos Santos “por ter propiciado a minha passagem de irreverente malcriado a ícone da juventude”.
Além dos escritos de Luaty Beirão na prisão, Sou Então Mais Livre, Então (Tinta da China, 276 págs., €15,90) inclui uma grande entrevista feita por Carlos Vaz Marques ao músico (e à sua mulher), por Skype, em outubro deste ano.