É do ponto mais alto da propriedade, de onde se avista o castelo, que melhor se tem a perceção deste projeto. Montemor-o-Novo fica a apenas três quilómetros em linha reta, mas neste Alentejo a uma hora de carro de Lisboa podíamos jurar que estamos longe de tudo.
As flores pintam os campos de amarelo, vermelho e roxo, os pássaros cantam à desgarrada. E a ribeira que dá nome ao Gandum Village corre pelo coração da propriedade, criando uma linha de vegetação. “É a nossa Sintra”, diz João Almeida, e não é exagero.
Quando ele e a mulher, a suíça Martina Wiedemar, aqui chegaram, em 2018, parte desta quinta estava coberta de silvas. “Aqui onde estamos tinham quatro metros”, recorda João, “esta casa não se via.” Foi durante as limpezas do terreno que descobriram, com a ajuda de um arqueólogo, que o edifício tinha sido uma alcaçaria, onde há 300 anos se curtiam peles de animais.

Hoje, um dos tanques, alimentado por uma nascente, funciona como uma pequena piscina para crianças, outros viraram canteiros, e o edifício branco, com uma ponte em arco, foi transformado em cowork, no primeiro andar, e em sala de reuniões, em baixo. As antigas casas dos trabalhadores deram lugar a dois apartamentos T2 com cozinha e um estúdio T0 e ao restaurante Provenance, aberto a não hóspedes (tal como o cowork).
Regenerar o solo, uma árvore da cada vez
Depois de anos a trabalhar na área da sustentabilidade aplicada à alimentação e na área das alterações climáticas, respetivamente, João e Martina decidiram mudar-se de Lisboa para Montemor-o-Novo com os três filhos e, dizem, “pôr em prática aquilo em que já trabalhávamos”. “No turismo rural, damos 10 a zero a Espanha. Mas em termos de sustentabilidade há muito por fazer”, acreditam.
Dos atuais 14 hectares do Gandum, dois hectares e meio encontram-se cobertos por agrofloresta, linhas densas onde se concentram árvores de fruto, legumes, ervas aromáticas e espécies florestais autóctones que crescem sem adubos químicos ou pesticidas. “Parece uma confusão mas tudo tem uma razão de ser, as plantas interajudam-se.”
Inaugurados este ano, os Quartos da Terra, como lhe chamam, ficam num edifício projetado de raiz pelo atelier de arquitetura Cru, de Montemor-o-Novo. Na tal zona mais alta da propriedade, o edifício em L, inspirado nos claustros dos conventos, distingue-se por ser feito em taipa, uma técnica ancestral de erguer paredes com terra compactada à mão, tradicional do Alentejo. A exceção são as fundações e a cobertura, em cimento, que garantem estabilidade ao edifício e permitiram instalar os 170 painéis solares que alimentam o hotel.

Dois corredores de arcos dão acesso aos 18 quartos duplos, onde a terra alaranjada deixada à vista regula naturalmente a temperatura e a humidade. São espaçosos, têm um pequeno terraço e estão decorados com bom gosto, num estilo mais urbano: mobiliário da Util e da Ghome, tapetes da Gur, têxteis em algodão orgânico e colchões biológicos da Bestbed, todas marcas portuguesas. A linha de amenities é da 8950, produzida em Tavira. Quem ficar aqui a dormir terá acesso, em breve, a uma piscina rodeada por vegetação e de onde se vê o castelo.
Comida sem pressa
João e Martina pensaram no Gandum também como um hotel para famílias. É por isso que por aqui há um parque infantil, mesa de pingue-pongue e matraquilhos, piscina para crianças e outra para adultos, servidas por um bar e bicicletas de todos os tamanhos.
Esta pequena aldeia, como lhe chama o casal, está cheia de recantos para descobrir. Um pátio com um grande canteiro onde cresce erva-cidreira, medronheiros, rosmaninho e arruda, outro onde pretendem fazer festas e sardinhadas…
O melhor cartão de visita para quem não fica hospedado será talvez o terraço com mesas e cadeiras coloridas da portuguesa Adico. Fica em frente ao restaurante, que se abastece do que aqui se produz – ovos de galinha incluídos. “Muitas vezes, chegam ainda quentes à cozinha”, garante Miguel Araújo, o chefe do Provenance, que recentemente também trocou Lisboa por Montemor.
É a ele que cabe inspirar-se nos ingredientes da época e no receituário alentejano para criar pratos (muitos deles vegetarianos) como a tremoçada à Bulhão Pato, o pica-pau de cogumelos, as croquetas de beterraba com queijo de cabra, o borrego e puré de batata com queijo e acelgas ou o arroz de forno com frango.
Tudo o que não produzem vem de produtores locais: o mel (não utilizam açúcar), o pão, as carnes, as leguminosas, os queijos e os vinhos. O pudim de pão com toffee de caramelo salgado, feito com os croissants e napolitanas do pequeno-almoço, é um bom exemplo do reaproveitamento que se faz.
Na ementa, há um prato que podia resumir o que se escreveu até aqui: chama-se Jardim do Gandum, um esparregado de nabiças com grão-de-bico frito, acelgas e rabanetes. Verdinho, verdinho, que só visto.
Gandum Village > R. de São Domingos, EM 537, Montemor-o-Novo > T. 266 079 000, 91 557 2888 > quartos desde €130, casas desde €150
Aqui à volta
A uma hora de Lisboa, Montemor-o-Novo é um convite ao passeio

Poda O restaurante de João Narigueta, nascido em Montemor-o-Novo, não inventa a roda e segue as receitas tradicionais da região. Migas gatas (com bacalhau, €8), coelho à São Cristóvão (€8,50), cação frito com migas da época (€16) e ensopado de borrego (€18) são algumas das sugestões da ementa, que vai rodando consoante o que os produtores locais têm à disposição. Para rematar, há enxovalhada, mousse de chocolate feita com chocolate da Melgão, também em Montemor-o-Novo, encharcada e sericaia. R. Sacadura Cabral, 25 > T. 96 830 7694 > qua-dom 12h30-15h, 19h30-22h
Castelo Não raras vezes, faz vento no castelo. Não é, pois, de admirar que as gentes de Montemor-o-Novo tenham abandonado a vila entre muros no século XIV para se estabelecerem lá em baixo, onde havia fontes de água e estavam mais próximas das principais vias comerciais. Ainda restam vestígios da judiaria, do Paço dos Alcaides e de outras construções erguidas ao longo dos séculos. A Igreja de Santa Maria do Bispo é o melhor local para ver o pôr do sol na planície alentejana sem fim. Grátis
Roteiro Literário Levantado do Chão Lavre, povoação do concelho, serviu de inspiração a José Saramago, que, em 1976, foi viver uma temporada para aí. Um roteiro evoca os lugares e as personagens do livro Levantado do Chão, assinalados num percurso que se faz a pé pela vila. O município de Montemor, em colaboração com a Fundação José Saramago, faz também visitas guiadas em datas fixas (com partida e regresso a Lisboa; a próxima realiza-se no dia 25 de outubro) ou por marcação. T. 96 928 9483, 266 689 102 > €25 (com refeição)



