
Foto: José Oliveira
Após três anos em Turim, na Casa-Mãe da FCA, Artur Fernandes regressou a Portugal na condição de Director-Geral Delegado. A equipa de gestão que passou a liderar no nosso país tem como principal objetivo incrementar a presença do grupo no mercado português.
Entrevista VISÃO Motores a Artur Fernandes:
Está de regresso a Portugal após três anos na “Casa Mãe”, em Turim, que balanço faz da experiência?
No início correu muito bem, abracei um projecto que era novo para mim que era fazer parte da Fiat, a marca mais emblemática e fundadora do grupo, integrar a equipa de desenvolvimento de novos produtos, tratar da gestão corrente de alguns deles. Correu muito bem, os dois primeiros anos de uma experiência de um total de quase quatro anos correu muito bem. Era uma área que nunca tinha desenvolvido! Tinha experiência de mercado e de trabalhar no “terreno”, conhecia as necessidades do cliente, os constrangimentos que temos, por exemplo, as fiscalidades que existem, a competição, a concorrência que não dorme, e ajudar a desenvolver os projetos futuros que serão lançados dentro de um ou dois anos, ajudou-me a ter uma perspectiva que eu não tinha estando cá na “frente de batalha” a receber as armas que vêm do centro e utilizá-las na conquista sagrada de novos clientes. Por vezes não sabia que tínhamos de planificar daquela forma com antecedência a chegada de novas ferramentas de trabalho. Durante dois anos estive a desenvolver essas novas competências e a acompanhar de uma forma muito particular e especial o projecto do Fiat Tipo. No caso do Sedan fiz parte, desde o início, do caderno de encargos que o desenvolveu em conjunto com a nossa engenharia. O caderno de encargos que definiu as bases do produto, as características, as motorizações, conteúdos, posicionamento de preço, volumes esperados para cada um dos mercados. Cada um dos projetos tem a parte da engenharia, o design, é o trabalho de uma grande equipa, porque não é apenas uma pessoa que o faz. Obviamente que o nosso administrador-delegado, Dr. Sergio Marchionne, imagina, “sonha” cada um dos projetos e nós temos de fazer as coisas acontecerem. Ele projetou, sonhou que devíamos estar presentes no segmento C, depois, uma grande equipa desenvolveu este mesmo projeto. Fiz parte da equipa durante dois anos, em Turim, e, ironia do destino, vim lançá-lo em Portugal. Espero conseguir fazer os volumes que eu próprio previ há quatro anos que o nosso mercado seria capaz. A boa notícia é que sim, em apenas cinco meses conseguimos atingir o volume de vendas que tinha previsto para todo o ano, por isso, estamos no bom caminho. Isto no caso concretamente do Fiat Tipo Sedan, só para dar um exemplo, porque vamos começar a vender a carrinha e os hatchbacks (carro de 5 portas) até ao final do ano. Por isso posso dizer que estamos num bom caminho!
Depois dessa experiência mais ligada ao produto, fiz parte de um projeto que na altura era novo, de optimização dos meios da Fiat dentro dos mercados. O facto de eu falar algumas línguas, o facto de eu vir dos mercados; estive dois anos a trabalhar em França, e, claro também em Portugal. O fato de eu saber as dificuldades de vender automóveis, de manter uma carteira de clientes, fidelizados e satisfeitos, ajudou-me a aceitar o novo desafio de optimização dos meios, dos recursos, de forma a atingirmos os nossos objetivos, seja a nível de vendas, seja ao nível de cotas de mercado, seja a nível económico. Estive lá dois anos, lancei a equipa de optimização dentro do Grupo FCA que ainda hoje existe. Foi uma experiência fantástica que não irei esquecer.
Referiu o Fiat Tipo, nesta primeira fase está apenas à venda o Sedan, de que forma têm desenvolvido a estratégia a pensar nas frotas, nos táxis, rent-a-car, e no mercado frotista de uma forma geral?
No caso do Fiat Tipo, o sedan é o produto mais adequado a uma tipologia frotista que acaba de identificar. Fruto da bagageira que tem permite transportar comodamente cinco pessoas. Temos vindo a consolidar o trabalho necessário para atacar essa tipologia de cliente. Existe uma outra área de negócio, que é o cliente privado, o cliente individual, que tinha no passado, por exemplo, Fiat Linea, que nos procura e quer comprar a viatura e, entre a venda frotista e a venda particular, a nossa prioridade número 1 é o cliente particular. Nesta fase não temos produto que chegue para satisfazer as nossas vendas. Com isto não pretendo dizer que não estamos a trabalhar as frotas, no entanto, só o vamos poder fazer na segunda metade do ano. No caso do sedan os taxistas são o cliente alvo, é verdade, mas depois na área empresarial os hatchbacks (5 portas) e as carrinhas é que vão fazer a diferença. Estamos a trabalhar em parceria com as gestoras de frotas porque têm um peso muito importante porque hoje em dia as empresas não querem adquirir viaturas que façam parte dos seus ativos, preferem utilizar sistemas de aluguer operacionais ou rentings, então estamos nesta altura a concluir acordos com gestoras de frotas de forma a responder na segunda metade do ano, altura em que vamos ter consolidadas as três carroçarias do Tipo. Por enquanto, acabámos de lançar o sedan que tem mais encomendas do que temos produto, a carrinha vai chegar em Setembro/Outubro, altura em que vamos desenvolver um trabalho muito mais aprofundado no canal empresas.
A Fiat surge no Top 10 de vendas dos automóveis ligeiros de passageiros, como é que analisa os primeiros meses do ano e o que podemos esperar até ao final de 2016?
Temos de recuar mais atrás para fazer um enquadramento correto da situação. Temos de olhar para 2011/2012 quando a crise atacou fortemente o setor automóvel e como eu estava em Itália, na altura, tinha uma amplitude de visão mais abrangente do mercado. Infelizmente, Portugal, Grécia e Espanha foram os países mais afetados por essa crise que acabou por originar uma falta de liquidez profunda da banca que tinha que financiar o Estado, tinha de financiar as empresas exportadoras. E nós estamos num setor que é o segundo bem de aquisição dentro do núcleo familiar. A seguir à casa é o automóvel. Estamos a falar de casas acima dos 100 mil euros, e de carros acima dos 10 mil euros, abaixo disso estão os outros produtos. Em tempo de crise as famílias não podem, não devem sacrificar os bens essenciais, e então habitações e automóveis ficaram para segundo plano. Então o mercado caiu abruptamente em 2012, gradualmente tem vindo a recuperar, mas este ano estamos a apontar para números próximos do pré-abate de 2010 que quase atingimos um recorde com vendas próximas dos 270 mil veículos ano. Neste momento, estamos a apontar para 230 mil viaturas de previsão para este ano. 200 mil ligeiros, 30 mil comerciais. Ou seja, comparando com os 110 mil em 2012. Neste momento, dos 200 mil estão consolidados uma fatia importante garantida pelo rent-a-car, felizmente para sair desta crise apostou-se na exportação e no turismo. E a outra parte são nitidamente os privados que têm cada mais acesso a uma maior liquidez da banca, desta forma conseguem o financiamento de uma forma mais fácil e adquirir viaturas.

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Várias marcas decidiram criar canais de financiamento, os “bancos próprios”, a Fiat também seguiu o mesmo caminho, julgo com bons resultados…
Sim, também é o nosso caso com taxas de penetração acima dos 30% nas nossas vendas, faz parte do negócio. Estamos cá para ganhar dinheiro e é uma área fundamental dentro da área de negócio. A nossa financeira, a nossa “captive” está a funcionar praticamente desde o início da importação Fiat em Portugal, tem estado connosco e vai estar connosco esperamos por muito tempo, está a trabalhar tão bem que dificilmente vejo alternativa no mercado, no entanto, o cliente é livre de se financiar onde quiser, não é obrigado a pedir financiamento na nossa financeira que obviamente tem os seus trunfos, as suas vantagens competitivas e tem as suas lacunas, como tudo na vida. Nós nos automóveis não podemos ser competitivos em tudo na “luta” directa com os nossos concorrentes. Grande parte da aquisição de viaturas é feita por financeiras. Atualmente acima de 60% das aquisições são feitas por outras bancas que não a nossa! Os rentings, alugueres operacionais a privados, os créditos, os leasings, existem diferentes soluções disponíveis hoje em dia, e o pronto pagamento é baixo, 30 a 40% dependendo do segmento marcas e modelos.
A Alfa Romeo comemora 106 anos e lança o topo de gama Giulia. A marca pretende certamente ganhar uma nova dinâmica com o SUV Stelvio agendado em princípio para o início de 2017. Mais novidades da marca?
A nossa aposta para este ano é o Alfa Giulia. A nossa Máquina, e como marca italiana podemos dizer: A nossa Máquina é a mais esperada do ano! Do ponto de vista de marketing existe um excelente trabalho da casa mãe que conseguiu fazer com que nosso produto fosse esperado e desejado. Já temos mais de um ano de trabalho com comunicados de imprensa, com a divulgação das primeiras fotografias do modelo, depois começamos a mostrar em alguns salões automóveis, finalmente, após um ano os modelos chegarem finalmente aos territórios nacionais. No nosso caso, a primeira viatura que tive possibilidade de conduzir em território nacional chegou na última semana de Maio, no entanto, decidimos, do ponto de vista estratégico localmente, guardar as viaturas que nós tínhamos e fazer coincidir o lançamento do Giulia com o aniversário da marca no passado dia 24 de Junho de 2016 de um modelo que nasceu em 1910 precisamente porque queiramos dar um sinal ao mercado de que para nós esta era uma data importante para uma marca mais do que centenária e de que está a ser uma grande aposta. No interior do Grupo o Dr. Marchionne pretende que este modelo projetado e produzido na Europa possa chegar ao mercado norte-americano com esta viatura como ponta-de-lança porque vai haver uma ofensiva de produto até 2020, são esperados mais modelos, mas esta é a viatura que tanto a nível europeu, como americano, permite-nos estar num segmento importante. Para os europeus o segmento D não é o mais vendido, no caso da Europa é o segmento C, depois o B, no caso do mercado norte-americano o segmento D é o mais importante. Fruto da parceria com o Grupo Chrysler herdamos uma plataforma onde estávamos ausentes há mais de 30 anos, temos agora uma rede de distribuição gigante onde tínhamos zero passamos a ter os concessionários do grupo Chrysler. Introduzimos o Fiat 500 para ver se o mercado norte-americano consumia viaturas pequenas, verificámos que o mercado gosta e está satisfeito com este tipo de viaturas. A nossa intenção era construir e consolidar uma rede que não vendesse única e exclusivamente produtos americanos mas também marcas como a Alfa Romeo. O Giulia foi o “piscar de olhos” a duas plataformas intercontinentais utilizando motores do grupo fabricados na Europa.

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Na área da comunicação onde é que o Grupo FCA tem apostado mais? Na televisão, imprensa escrita, online, redes sociais?
Temos apostado cada vez mais no digital e menos no tradicional! O que acontece é que o digital também tem consequências pelo offline. Uma campanha impressa, bem explicada, a dizer o carro estás disponível por aquele preço ou por determinada renda o cliente vai visitar na mesma o site. Por muito que a aposta seja no digital nunca vamos poder de investir no offline. O problema da internet é que é um Universo e temos de saber sempre onde é que há mais afinidade. Também depende da criatividade, temos casos de determinadas campanhas que não ficam bem no online, e há criatividades que no offline também não são muito conseguidas. No passado era diferente, os mercados tinham orçamentos para desenvolver campanhas de publicidade locais, hoje em dia é chave na mão e ai de nós se queremos fazer uma mudança de uma vírgula, estou a exagerar mas, existem linhas muito fortes e bastante inibidoras ao desenvolvimento de muita criatividade local. Como tal, analisamos, vimos, criamos um painel interno e verificamos se a criatividade nos pode ser útil para a nossa estratégia que é definida com um ano de antecedência. Se achamos que a criatividade faz sentido na internet e não na televisão, como tínhamos previsto, adaptamos.
São várias as marcas que ao longo dos últimos anos, em particular durante o período mais agudo de crise, utilizaram a estratégia das viaturas usadas com Zero Quilómetros.
O quilómetro zero não é uma estratégia, é uma tática! Mal das marcas quando têm de transformar um Km Zero em estratégia. A ideia passa por tentar adaptar ao máximo a capacidade produtiva à procura. Infelizmente, as fábricas não podem parar. São desenvolvidas com muitos anos de antecedência planificações produtivas e negociações com produtores, com sindicatos, temos de cumprir para dar trabalho aos funcionários que estão nas fábricas, a máquina vai debitando carros e temos de os tentar colocar no mercado. Se temos procura mais facilmente os vendemos, senão temos de inventar. Há 20 anos atrás a Fiat foi praticamente a inventora do Km Zero porque estava a produzir muito mais do a procura que existia. Houve um momento em outras marcas decidiram igualmente avançar com a tática do KM Zero em que alguém assume o risco. Matricula-se o carro e mais tarde ou mais cedo havemos de conseguir encontrar um cliente com condições excepcionais. Nos últimos anos a estratégia do Grupo, quando vamos partir para um projecto de investimento temos de ser mais conservadores e nesta altura acontece o contrário, temos fábricas a produzir carros para Setembro que foram encomendados em Fevereiro. Depende muito da procura e da oferta, não é uma estratégia, é uma tática! Não sei o que é que as outras marcas estão a fazer, se também adaptaram a capacidade produtiva. Havendo um equilíbrio de forças o KM Zero por si só desaparece. Os construtores têm de adaptar a sua capacidade produtiva. É uma questão que tem também uma dimensão humana. Felizmente aprendemos com os erros do passado, e não estamos livres dos erros do futuro, muitas marcas utilizaram essa tática, hoje em dia estamos livres e, ainda bem, não é bom para ninguém.

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Novidades da marca a nível da implantação nacional, está prevista a abertura de novos concessionários?
Sim, sim, como referi o mercado está a crescer. Da minha partida até ao meu regresso perdemos alguns concessionários bons e históricos. Estamos a falar de concessionários que trabalhavam connosco há mais de 20 anos, com uma carteira de clientes gigante, em áreas estratégicas como o Grande Porto e a Grande Lisboa. Infelizmente no período mais conturbado tivemos de fazer uma restruturação e ter de despedir pessoas porque o mercado cai a pique. Alguns gestores cometeram o erro de não avançar para restruturação. É verdade que tomar certas decisões são difíceis, naquele momento, mas depois acabam por salvar a empresa. Na altura perdemos alguns concessionários importantes, nesta altura estamos a viver um processo de restruturação na nossa rede atual. Temos cerca de 30 concessionários de Norte a Sul do país, a trabalhar as diversas marcas. Realizámos um estudo de mercado, identificámos quais eram as zonas onde não estávamos presentes ou onde estamos pouco visíveis, temos várias candidaturas, estamos numa fase de selecção, temos bem identificado onde queremos estar, 80% das vendas de automóveis estão nos distritos litorais que vão de Braga até Setúbal e mais o Algarve. Nestas áreas temos de ter total cobertura. Fruto de uma integração que vamos fazer a médio prazo pois a partir de Setembro vamos passar a importar também a marca Jeep. Vamos todos ter de investir para aumentar o portfólio, estamos a falar de um investimento entre importador e parceiros de 10 milhões de euros, no prazo de dois anos, entre instalações, sinalética interna e externa padronizada por nós, alargamento de áreas de exposição de show rooms. Já temos concessionários que já estão connosco e iniciaram este desafio. Almada, Braga, Motor Village de Lisboa e Porto.
Concessionários independentes ou espaços multimarca?
É uma bela pergunta! Onde existe uma grande potência a tendência é existirem cada vez menos concessionários mono marca, ou mono grupo. No nosso caso, pretendemos ter profissionais dos automóveis que possam representar com o máximo de dignidade a nossa marca, sem entrar em litígio com as outras. Respeitamos as outras da mesma forma que gostamos de ser respeitados. O mercado é livre e não é por um empresário representar outras marcas que lhe fechamos portas. Temos na nossa rede muitos multi marca. O que não falta são concessionários que têm no seu portefólio mais do que 10 marcas das 40 que são importadas em Portugal.
Gostava da ouvir a sua opinião sobre o perfil tipo atual do cliente Fiat. Vocês sentem que os interessados gostam de configurar o carro online e só depois vão ao concessionário pedir mais informação? Ou processo de aquisição é cada vez mais apenas tratado através da internet?
O processo mudou imenso! Há 15 anos atrás aproveitava-se a hora de almoço para ir ao concessionário buscar um catalogo, hoje em dia temos quatro mil visitas por dia no site da Fiat. É importante referir que é fundamental ter uma boa plataforma digital, mudámos no dia do aniversário da Alfa Romeo a nossa plataforma. A anterior era boa, mas não era tão fácil de utilizar ou de configurar um carro. Mudávamos uma jante e não se via imediatamente no carro, ou não se via bem. Hoje em dia o configurador funciona bem no tablet e no smartphone, o número de visitantes únicos e o tempo de permanência na página aumentou o que faz com que o cliente quando chega ao concessionário já sabe o que quer, pergunta qual é o desconto, quanto é que lhe dão pela retoma, mas sabe perfeitamente qual é o automóvel que pretende. Estamos muito atentos pois sabemos que o primeiro show room a ser visitado é o virtual. Só depois é que o cliente solicita um test drive, uma cotação ou uma visita. Ou trabalhamos bem esta área ou corremos riscos de perder vendas.
Os números da FCA no mundo:
178 Fábricas
114 Centros de Pesquisa e Desenvolvimento
180 Mil empregados
2,3 Milhões de automóveis e veículos comerciais vendidos
A FCA é um grupo industrial ítalo-americano que junta as marcas Fiat e Chrysler e está entre os fundadores da indústria automobilística europeia. Com sede no Reino Unido e ações conhecidas nos Estados Unidos da América e em Itália, foi formado em 2014, após a consolidação da incorporação, na Holanda, do Grupo Chrysler (Chrysler, Jeep, RAM e Dodge) pela Fiat.
Focado no setor automotivo, o Grupo projeta e produz automóveis, caminhões, tratores, colheitadeiras, máquinas agrícolas, motores, transmissões, peças fundidas, autopeças e sistemas de automação industrial, entre outros.
No setor de automóveis, a Fiat desenvolve suas atividades industriais e de serviços por meio de sociedades localizadas em 50 países e mantém relações comerciais com clientes em mais de 190 países.