O Governo, através do seu ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, prometeu mudanças significativas na área da Educação, inclusive “tornar a carreira docente mais atrativa para dar aos professores a importância que merecem”. Sobre os outros funcionários das escolas, apesar de, estranhamente, no seu programa de Governo não ter nada nesse sentido, finalmente, escreveu serem “essenciais para o bom funcionamento das escolas e para que o processo educativo funcione na sua plenitude” e que pretende “melhorar as suas condições de trabalho”.
No entanto, mais importante que palavras, é fundamental que o ministro entenda que por muita dedicação dos docentes, o seu trabalho em prol dos alunos será sempre limitado se na realidade os docentes continuarem exaustos, com excesso de burocracia, com salários que não lhes permitem viver/trabalhar com dignidade, com turmas enormes, com a Mobilidade por Doença transformada num concurso, com pressão para sucessos artificiais, entre outros exemplos.
Também é fundamental que o ministro entenda efetivamente que se o trabalho diário dos Assistentes Operacionais, Assistentes Técnicos e Técnicos Superiores e Especializados é “essencial para que as escolas e o processo educativo funcione na sua plenitude”, estes profissionais têm de, mais que receber cartas, ser na prática e urgentemente valorizados e dignificados. Estes profissionais não podem, por exemplo, continuar com ratios totalmente irrealistas que os sobrecarregam e deixam os nossos alunos sem o apoio que precisam e merecem (há Agrupamentos Escolares em que temos um único psicólogo para cerca de 1000 alunos, crianças com necessidades educativas especiais com terapia de apenas 45 minutos por semana ou muitos Assistentes Operacionais e Assistentes Técnicos a fazer o trabalho de dois ou mais colegas).
Apesar de o Governo anunciar que quer mudar genericamente a Educação, ainda não manifestou vontade de mudança efetiva para resolver graves problemas que têm afetado todos os P.E., nomeadamente: ausência de uma gestão escolar democrática, a continuação de uma avaliação injusta e com quotas, impedimento de acesso à Caixa Geral de Aposentações (CGA), municipalização da Educação, ultrapassagens por falta de reposicionamento na carreira tendo em conta todo o tempo de serviço, entre outros. Infelizmente, há várias injustiças profundas na Educação que se arrastam há décadas e que claramente não é necessário gastar mais tempo, algo que muitos desses profissionais já não têm, criando grupos de trabalho para as diagnosticar…
Novo governo traz novos problemas?
Além de não resolver os referidos (e outros) velhos problemas nas escolas, o Governo defende ideias com enorme potencial de criar ainda mais problemas/injustiças. A título de exemplo, pretende que a avaliação docente conte para o concurso/colocação do próprio docente, uma carreira especial (em termos remuneratórios e de avaliação) para os diretores escolares, apoio à deslocação insuficiente e apenas para alguns docentes e também já aumentou o limite máximo de horas extraordinárias que um docente pode ter. Esta última medida, numa classe docente exausta e muito envelhecida, poderá levar (irreversivelmente) ao esgotamento total de muitos docentes. O que irá prejudicar, significativamente, a qualidade e o direito à educação dos nossos alunos podendo até contribuir para o aumento do número de alunos sem professor.
Depois, há intenções com um simbolismo significativo. Por exemplo, os diretores escolares já recebem um suplemento remuneratório mensal, contudo, o Governo anunciou (no seu programa) que pretende aumentar ainda mais e estabelecer uma carreira própria para os diretores. Porque o Governo prioriza esta medida relativamente à resolução das injustiças que afetam:
– Milhares de docentes que foram ultrapassados e que continuam impedidos de ser reposicionados justamente na carreira tendo em conta o seu tempo de serviço?;
– Assistentes Operacionais que apesar da sua sobrecarga de trabalho e dedicação, mesmo após 10, 20, ou mesmo mais de 30 anos de serviço continuam a receber salários de miséria?;
– Assistentes Técnicos que, apesar do seu trabalho altamente exigente e complexo, assistiram nas últimas décadas ao seu salário ficar praticamente colado ao salário mínimo?;
– Técnicos Superiores (por exemplo os nossos psicólogos, terapeutas) que, nos últimos anos, ao efetivarem, passaram a receber significativamente menos salário, ou a precariedade dos Técnicos Especializados, que todos os anos veem a sua vida pendurada até ao final de agosto, à espera da renovação do seu contrato?
A precariedade/injustiça gritante destes milhares de profissionais da Educação (docentes e não docentes) naturalmente afeta a qualidade do seu trabalho diário com as nossas crianças e jovens. Será que priorizar aumentos e carreira específica para os diretores escolares é uma opção justa e em benefício do dia a dia dos nossos alunos?
Acresce, agora, a situação discriminatória no apoio à deslocação de professores. Além dos valores insuficientes, poderá traduzir-se em que um docente que se desloca mais quilómetros não receba qualquer apoio enquanto que outro, que se desloca menos, receba esse apoio. Tal situação pode mesmo representar uma ilegalidade/inconstitucionalidade por tratamento desigual de cidadãos nas mesmas condições.
No entanto, como ficou evidente no passado recente, os diferentes governos muitas vezes parecem não respeitar a constituição/lei, mas milhares de profissionais da Educação demonstraram que foi possível recuperar tempo de serviço para muitos não através dos tribunais, mas com a sua mobilização de forma democrática e combativa. Essa lição recente poderá ser muito útil, caso o Governo continue a protelar e a não investir a sério na Escola Pública, sobretudo na valorização/dignificação de todos os seus profissionais. Só com esse investimento poderemos ter uma Escola Pública de qualidade para todas as nossas crianças e jovens.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.