Sou do Uruguai desde pequenino
Uruguai: rio dos pássaros pintados, em guarani
1 – Eram pouco mais de 75 mil quando o país se tornou independente, em 1830. São agora cerca de 3,4 milhões. A sua capacidade de recrutamento de jogadores é, portanto, um terço do que é no nosso país. Sim, já ganharam dois campeonatos do mundo (30 e 50), o último numa final no Maracanã em que derrotaram o Brasil. Mas o futebol é hoje muito diferente. E, mesmo depois da vitória com a Itália e a Inglaterra, o Uruguai ainda tem umas quantas seleções à sua frente na lista das favoritas.
O país tem como lema “Libertad o muerte”, mas o seu presidente – um ex guerrilheiro, que doa 90 por cento do salário (12,500 dólares) a instituições sociais e que vive frugalmente numa pequena propriedade, sem mordomias de Estado – é um homem sensato. Nem hippie, nem bolivarista, nem esquerda caviar, só isso (que já é muito) um homem sensato e genuinamente preocupado em melhorar o país. O Uruguai atravessa um bom momento – e não falo apenas do futebol nem na liberalização da maconha.
2 – Quaisquer que sejam as razões – físicas, de adaptação, de falta de ar, etc. – não deixa de ser curioso que já tenham caído tantas seleções do velho continente, quase todas de forma apática e frouxa: Espanha, Itália, Inglaterra (campeãs mundiais), Croácia, Bósnia e muito provavelmente Portugal – a Grécia esfalfa-se, mas não deve ir mais longe. Talvez a Europa esteja no contraciclo anímico da América Latina – mais uma vez, não falo apenas de futebol. A verdade é que, ao ver a dentada de Luiz Suarez, avançado do Uruguai, num jogador italiano, não pude de deixar de rir. Sim, a dentada é tão lamentável como a cabeçada de Pepe, mas há uma diferença: enquanto um estava desnorteado, de cabeça perdida, outro estava esfomeado, com a cabeça a apontar para a baliza. É esse tipo de fome – “Até os mordemos” – que ajuda a levar adiante a seleção de um país com pouco mais de três milhões de pessoas.
3 – A minha simpatia com o Uruguai, que vem dos tempos de Enzo Francescoli, e que cresceu no Mundial de 2010, foi instigada pela imaginável eliminação de Portugal e pelas vitórias raçudas do Uruguai – além da natural empatia dos seres humanos pelo under dog e o facto de ser, também eu, de um país mínimo, escondido, esquecido pelos grandes do continente. Dito isto, parece-me que vou torcer pelo Uruguai.
Mas temos um problema: como explicar essa opção aos meus amigos brasileiros, que tão bem me receberam, e para quem o Uruguai tem sido, ao longo de décadas, um trauma na psique coletiva após a final de 1950? Felizmente, por causa da chave de jogos, as duas seleções nunca se enfrentarão na final do Maracanã (para efeitos dramáticos seria maravilhoso) – mas podem cruzar-se antes. Gostaria muito que o Brasil fosse campeão em casa, este povo merece. Mas se, por fim, se provar que deus não é brasileiro e surpresas houver, então que essas surpresas venham de um país pequeno e em tons celestes.
Delay
Durante os jogos do Brasil os bairros emudecem e, a cada golo, ouvem-se foguetes, buzinas, cornetas, um crescendo de gritos. Com as janelas abertas, já tinha reparado que as reações aos golos não aconteciam ao mesmo tempo em todas as casas. Nuns apartamentos gritava-se primeiro do que noutros. Porque existe uma pequena diferença na transmissão – a rádio é mais rápida que a TV, e a TV mais veloz que a internet – acontece alguém celebrar um golo quando o vizinho ainda está a ver o início da jogada. No vídeo abaixo, pode ver-se a reação aos golos do primeiro jogo do Brasil num bairro de São Paulo.
Caras estranhas
O jornal britânico Telegraph compilou fotografias das caras estranhas e expressões inusitadas dos jogadores durante uma partida. Para ver aqui.
O amor dos gringos
Tanto em Copacabana, no Rio de Janeiro, como em Vila Madalena, São Paulo, a Fan Fest – lugar de encontro e de festa para os adeptos – tem sido um sucesso de permutas culturais, etílicas e muita pegação – ou seja, anda meio mundo a tentar comer o outro meio e é provável que muitos não telefonem no dia seguinte. Porque a Copa não é só futebol e rivalidades, milhares de gringos e locais têm confraternizado dia e noite, e o clima de exceção e singularidade desta festa, tal como a esperada manifestação das jovens hormonas, tem levado a muitas aventuras multinacionais, sendo que a procura por homens estrangeiros fez com que alguns brasileiros se façam passar por gringos. Normalmente são apanhados na primeira curva. Tirando as pequenas burlas do engate, parece que tudo corre bem – de vez em quando uns argentinos pegam-se à bofetada com uns brasileiros, mas nada demais até agora. Tem havido mais amor (chamemos-lhe assim) do que pancadaria. Daqui a nove meses prevê-se uma vaga de bebés de feições exóticas e de sangue misturado a chegar ao mundo.
Festival da canção
Muito se tem falado no Brasil sobre qual é a melhor torcida. E em breve escreverei sobre isso. Para já, na disputa das canções, os argentinos, com “Brasil diceme que se siente” vão levar 12 pontos pelo descaramento, graça e cojones – pontuação Festival Eurovisão da Canção. Um pouco da letra e depois o vídeo dos argentinos a cantar em Copacabana.
“Brasil diz-me como te sentes/ por ter em casa o teu papá/ Juro-te que ainda que passem os anos/ nunca vamos esquecer/ que Maradona te fintou / Cani te vacinou/ estás chorando desde Itália até hoje”.