“Gugu-dá-dá” fazem os bebés desde muito pequenos, entre guinchos, grunhidos e outros sons variados. São tudo precursores da fala, ou protossons, que mais tarde serão substituídos por palavras e por frases completas, como se sabe.
Também já se sabe que alguns bebés são naturalmente mais “faladores” do que outros. Mas, ao contrário da crença, generalizada e antiga, de que as raparigas “falam” mais do que os rapazes, essa tendência inverte-se durante o primeiro ano de vida.
Foi isso mesmo que concluíram investigadores da Universidade de Memphis, em Tennessee, nos Estados Unidos, num estudo cujos resultados foram agora publicados na revista iScience.
“Acredita-se que as raparigas têm uma vantagem pequena, mas discernível, sobre os rapazes na linguagem”, diz D. Kimbrough Oller, o autor principal do estudo, citado num comunicado da universidade. “Mas, no primeiro ano, eles produzem, comprovadamente, mais vocalizações semelhantes à fala do que elas.”
No entanto, esta aparente vantagem inicial dos bebés rapazes no desenvolvimento da linguagem não dura muito tempo. “Embora eles tenham apresentado taxas de vocalização mais elevadas no primeiro ano, elas alcançaram e ultrapassaram-nos no final do segundo ano”, sublinhou o mesmo investigador.
De um modo geral, os dados revelaram que os bebés rapazes emitiram mais 10% de expressões no primeiro ano de vida do que as raparigas. No segundo ano, a diferença inverteu-se, com elas a emitirem cerca de 7% mais sons do que eles. E estas diferenças foram observadas apesar de o número de palavras proferidas pelos adultos que cuidam desses bebés ser superior para os bebés do sexo feminino em ambos os anos, em comparação com os do sexo masculino, fazem notar os investigadores.
Embora confirme as conclusões de um estudo anterior muito mais pequeno, realizado pela mesma equipa (gravações de 100 bebés, durante todo o dia), o novo estudo não deixa de ser surpreendente. A começar pelo facto precisamente de ser a maior amostra de sempre num estudo sobre o desenvolvimento da linguagem: mais de 450 mil horas de gravações, durante todo o dia, de 5 899 bebés.
Note-se que os investigadores não tinham a intenção de analisar as diferenças entre os sexos. O principal interesse da equipa, liderada por D. Kimbrough Oller, que desenvolve há 45 anos trabalho nesta área, é a origem da linguagem na infância.
Os bebés acordados produzem protossons a uma taxa de quatro ou cinco enunciados por minuto, mais de cinco vezes a taxa de choro, durante o primeiro ano. A grande surpresa no estudo de 2020, cujos resultados foram publicados na revista Current Biology, foi o facto de se ter verificado que, durante o primeiro ano, os rapazes emitiram 24% mais protossons do que as raparigas.
TEORIA DA EVOLUÇÃO
Agora, os investigadores afirmam que os novos resultados têm também implicações interessantes para os fundamentos evolutivos da linguagem. E percebe-se porquê. Os bebés emitem sons para assinalar o seu bem-estar aos seus cuidadores, que, por sua vez, investem mais energia e atenção neles. Uma vez que os rapazes têm taxas de mortalidade mais elevadas do que as raparigas no primeiro ano de vida, é possível que, num passado distante, os bebés mais vocais tivessem mais probabilidades de sobreviver e de transmitir os seus genes.
“Pensamos que pode ser porque os rapazes são mais vulneráveis à morte no primeiro ano do que as raparigas e, dado que ocorrem tantas mortes do sexo masculino no primeiro ano, eles podem ter estado sob uma pressão de seleção especialmente elevada para produzir sinais de aptidão vocal”, diz D. Kimbrough Oller. Depois, no segundo ano de vida, e à medida que as taxas de mortalidade diminuem drasticamente, “a pressão sobre a sinalização especial de aptidão é menor tanto para os rapazes como para as raparigas”.
Antes de avançarem com uma teoria da evolução, a equipa colocou a hipótese de os bebés rapazes serem mais vocais apenas porque são mais ativos no geral. Mas o aumento das suas vocalizações desaparece aos 16 meses, embora o seu maior nível de atividade física, face às raparigas, não desapareça.
Ainda terá de correr mais alguma água debaixo do moinho para no Laboratório de Origem das Línguas, sediado na Universidade de Memphis e dirigido por D. Kimbrough Oller, se conseguir – ou não – provar que os bebés do sexo masculino emitem muito sons desde muito cedo para melhorarem as suas hipóteses de sobrevivência.