Luís Montenegro, as divergências com Cavaco Silva, o processo da chegada da troika a Portugal, a relação com Paulo Portas, a sua própria forma de comunicar enquanto primeiro-ministro. Foi uma hora e meia de conversa no podcast Eu Estive Lá, do Observador, em que Pedro Passos Coelho mergulhou no período em que foi primeiro-ministro, e os momentos finais do governo socialista de José Sócrates, recordando, por exemplo, o telefonema que, ainda apenas como líder do PSD, no início de 2011 recebeu do então presidente do banco central europeu, Jean-Claude Trichet, “a falar bastante emocionado, aflito” e a perguntar “de que é que o País estava à espera para pedir ajuda externa”.
Entre lamentos sobre as vezes em que Cavaco Silva “desajudou” (apesar de reconhecer que o então Presidente da República salvou “o governo mais do que uma vez”), e um reconhecimento de que, enquanto primeiro-ministro, teve “problemas de comunicação realmente grandes”, as palavras mais duras desta entrevista foram para Paulo Portas, incluindo a revelação de que, a dada altura, a troika “percebeu que havia um problema com o CDS e passou a exigir cartas assinadas por Paulo Portas”. “Julgo que ele não sabe isto, mas, para impedir uma humilhação do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, obriguei o ministro das Finanças a assinar comigo e com ele a carta para as instituições. Assinámos os três. Paulo Portas não sabe disto. Não sabe que foi uma exigência minha, porque o que a troika exigia era uma carta dele, assinada por ele, porque não confiava nele.”
“Paulo Portas não tinha uma noção precisa, realista, de qual era o limite das nossas possibilidades”, continua Passos Coelho, lamentando que o CDS e Paulo Portas se tenham convencido que as “medidas gravosas” que o governo tomou só foram implementadas porque o PSD não defendia “devidamente os interesses do país junto da troika”.
Um dos períodos mais tensos da relação entre os parceiros de governação, ainda antes do pedido de demissão “irrevogável” de Paulo Portas, recorda Passos, foi durante as negociações para a sétima avaliação da troika ao memorando de ajustamento, quando foi preciso tapar um buraco de 1300 milhões na sequência do chumbo do Tribunal Constitucional a um conjunto de medidas previstas no Orçamento do Estado. O ex-primeiro-ministro acusa Portas de usar o termo “TSU dos pensionistas” de “forma deliberada” para criar “um sobressalto no país e uma revolta no País”. “O próprio CDS não tinha uma medida alternativa. Não a apresentava. Não aceitava aquela, mas não apresentava uma equivalente”, recorda Passos.
O antigo líder social-democrata lembra ainda que informou, na altura, o Presidente e o Conselho de Ministros que Portugal ia falhar a avaliação da troika porque Paulo Portas não a aceitava. “E, portanto, o que se passaria a partir daí era uma incógnita, mas uma incógnita limitada. A troika diria: ‘Então, se os senhores não querem fazer nada, também não querem mais dinheiro, com certeza. Então o que é que se viu? Para mim é um mistério, mas Paulo Portas mudou de opinião. Eu creio que foi o Presidente da República. Escreveu nas memórias que recebeu o doutor Paulo Portas nessa manhã antes do Conselho de Ministros e que ele mudou a sua opinião”.
“A última coisa que quero é andar a criar constrangimentos”
Houve tempo para considerar que o atual primeiro-ministro está ativamente a tentar “desligar-se” do passado desse tempo da troika, tanto da herança passista como do tempo em que ele próprio foi líder do grupo parlamentar do PSD. “[Montenegro] tornou-se uma possibilidade de liderança dentro do PSD pelo exercício que fez no Parlamento. De contrário, não creio que alguém se fosse lembrar dele por esse efeito. Teve essa oportunidade e trabalhou bem nela porque realmente foi um grande líder parlamentar. Portanto, ele faz parte dessa herança e desse legado. Em que medida é que ele se quer desconectar mais desse seu próprio passado também ou não, não sei. A mim parece-me que foi muito evidente durante os últimos tempos que houve essa preocupação de tentar desligar”, considerou.
Ainda sobre a relação com Luís Montenegro, Passos Coelho avisa ainda que não vai deixar de dizer o que pensa: “Ele saberá como é que quer fazer as coisas e a última coisa que quero é andar a criar constrangimentos. Agora, também não posso ser impedido de, de quando em vez, poder dizer alguma coisa do que penso. E eu penso pela minha cabeça, evidentemente.”