A Habitação na carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (UE)? A ideia é da AD, e o cabeça de lista, Sebastião Bugalho, já a explicou, mas o direito à Habitação já está consagrado na Constituição Portuguesa. Este é um exemplo paradigmático de como é possível adaptar uma narrativa de campanha eleitoral para o Parlamento Europeu (PE) aos temas que mais preocupam os portugueses. A Habitação está no centro das preocupações e perpassa todo o discurso político – mas a Europa pouco tem que ver com o assunto. A Habitação pode ser um caso exemplificativo, mas não é o único. João Oliveira, da CDU, preocupa-se com salários e rendimentos, mas nada disso depende, pelo menos de forma prioritária, do Parlamento Europeu (PE). Tânger Corrêa, do Chega, defende que qualquer decisão militar, para uma intervenção na Guerra da Ucrânia, deve ser concertada a 27, mas há países da UE que não são da NATO e países da NATO que não são da UE.
Catarina Martins quer a União a intermediar conversações de paz entre a Rússia e a Ucrânia, mas não explica como pode o PE deliberar sobre isso ou como vai Bruxelas convencer a Rússia a aceitar a arbitragem de uma parte interessada (e parcial) como a UE. A esquerda, quase em uníssono, excetuando a posição algo ambígua do PS, quer novas regras para reger o Banco Central Europeu (BCE), e o tema até esteve em debate entre Marta Temido (PS) e Sebastião Bugalho, num dos últimos debates televisivos: afinal, quem votou a favor do aumento das taxas de juro? E quem votou contra? Na verdade, seja qual for a posição dos deputados europeus, a independência do BCE está consagrada nos tratados assinados pelos governos dos Estados-membros – e o hemiciclo de Bruxelas (ou de Estrasburgo) não podem mudar isso à revelia dos países e do Conselho. Os deputados têm poder de influência, sobretudo, na elaboração de relatórios sobre as várias matérias que regem ou preocupam a Europa, mas o poder legislativo está quase sempre do lado da Comissão Europeia, sob as orientações definidas no Conselho Europeu – e nos tratados ninguém mexe, a não ser que os governos concordem em alterá-los, uma decisão que depende sempre do Conselho. Na verdade, Bloco, CDU, Livre e PAN já se pronunciaram a favor de um maior “escrutínio democrático” do BCE, o que significaria, na prática, que as suas decisões sobre política financeira estivessem dependentes da pulsão eleitoral dos governos e dos partidos, que, ao nível europeu, os compõem.
João Oliveira até disse que o Banco de Portugal, se tivesse poder de decisão autónoma, nunca teria aumentado as taxas de juro [para combater a inflação], o que corresponde mais a um desejo retórico da CDU – ou a uma conveniência para debater a quatro, na televisão – do que ao pensamento do governador Mário Centeno, que reiteradamente se mostrou alinhado com as opções do BCE e, por maioria de razão, com os sucessivos aumentos das taxas de juro. Neste aspeto, é curioso verificar que essa posição contrariou os desígnios expressos pelo então ministro das Finanças, Fernando Medina, pelo ex-primeiro-ministro, António Costa, e pelo próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que foram demonstrando um desconforto crescente com as decisões de Christine Lagarde, solidamente secundadas pelas opções dos vários bancos centrais, incluindo o português. Ora, se estes políticos nada puderam fazer, o que conseguiriam mudar os eurodeputados João Oliveira ou Catarina Martins ou Francisco Paupério?…