“Temos dinheiro, temos tempo e temos equipa para trabalhar”, conta à VISÃO a diretora do Centro de Humanidades da Universidade Nova, Cristina Brito, alertando logo de seguida para a magnitude da tarefa: “Trata-se de um projeto muito ambicioso que pretende criar a primeira avaliação global do papel dos recursos marinhos no desenvolvimento das sociedades humanas.” Recuando o mais possível no tempo, e procurando também perceber o impacto da nossa atividade nos ambientes marinhos.
Quase como se à História Universal da Humanidade lhe faltasse um capítulo importantíssimo, porque “o foco foi sempre o desenvolvimento agrícola, estudando muito pouco o que aconteceu no mar. A nossa tese é precisamente a de que os recursos marinhos influenciaram decisivamente as sociedades humanas”, e dá alguns exemplos, como a caça intensiva de baleias francas na Península Ibérica, que já no século XVII levou à sua extinção nestes mares, obrigando bascos e portugueses a irem para a Terra Nova. Onde, aliás, já andávamos atrás de bacalhau desde o século XV. “O recurso importa” explica, “e as populações vão atrás dele onde existe”.
A tese conquistou o júri do Conselho Europeu de Investigação, que a escolheu entre 440 candidaturas, e concedeu uma bolsa de 10,4 milhões de euros, a maior alguma vez atribuída a um projeto na área das Humanidades na Europa. Cristina Brito é o braço português de uma equipa internacional que conta com mais três investigadores: James Barrett, da Universidade de Cambridge, especialista em Arqueologia Biomolecular e, do Trinity College de Dublin, Francis Ludlow, historiador ambiental e especialista em Climatologia Histórica, e Poul Holm, perito em História Ambiental e Económica. Foi este último quem montou a equipa dos quatro magníficos pelos oceanos.
Se hoje a área de investigação de Crsitina Brito se centra sobretudo na história ambiental e na expansão marítima europeia, o seu trajeto começou com uma licenciatura em Biologia, e especialização em Biologia Marinha com os golfinhos do Sado e os grandes cetáceos no Atlântico. Seria, aliás, onde provavelmente estaria, não fosse por um pequeno pormenor: “Adoro o mar, e sempre trabalhei no mar, mas infelizmente enjoo. E, se aqui no continente e nos Açores consegui aguentar, quando fui para São Tomé estudar as baleias corcundas era tão duro que não conseguia trabalhar.”
Num dia particularmente mau ficou em terra e acabou por entrar no Arquivo Histórico da cidade de São Tomé, onde começou a ler a Crónica dos Feitos da Guiné, de Eanes de Zurara, ficando fascinada pelas vívidas descrições dos animais marinhos, baleias, golfinhos ou lobos marinhos. “Nunca me tinha ocorrido que nas narrativas históricas existissem estas descrições e no espaço de um mês abandonei a biologia”, recorda a investigadora.
O projeto tem início oficial marcado para julho deste ano – e duração prevista até 2027 –, sendo que a primeira etapa passa pela criação de um “Atlas da Exploração Histórica dos Recursos Marinhos”. Um mapa mundial com vários dados quantitativos ao longo dos últimos séculos, como capturas e trocas económicas, desenvolvimentos tecnológicos, dados ambientais, como eventos extremos ou temperaturas das águas. “Várias camadas de informação, para ir alimentando ao longo do tempo”, e por equipas que podem chegar aos 30 investigadores.
Esses dados estarão disponíveis em modo aberto e quase à medida que forem sendo recolhidos, para que se possam tomar decisões mais informadas: “O objetivo é que o projeto 4 Oceans ofereça essa dimensão cronológica às questões sociais e ambientais que a Humanidade enfrenta”, especialmente numa década que as Nações Unidas dedicaram aos oceanos e ao desenvolvimento sustentável. “Mostrar aos cientistas e aos decisores políticos que a História pode dar um contributo importante para a valorização, conservação, e para a aproximação das pessoas aos oceanos. Porque é fundamental criar essa empatia.”
Oceano de Esperança é um projeto da VISÃO em parceria com a Rolex, no âmbito da sua iniciativa Perpetual Planet, para dar voz a pessoas e a organizações extraordinárias que trabalham para construir um planeta e um futuro mais sustentáveis. Saiba mais sobre esta missão comum.