O plástico que está à superfície – ou seja, aquele que vemos e tanto nos impressiona – representa 1% de todo plástico nos oceanos. Apenas 1%. A esmagadora maioria, 94%, está no fundo e 5%, nas praias.
Continuamos a ter uma imagem demasiado ingénua do que se passa no mar e, para o resolver, só existe uma solução: consumir menos. “Tudo o resto não vai funcionar”, explica à VISÃO a presidente da Associação Portuguesa do Lixo Marinho, investigadora no MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, e professora na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova.
Paula Sobral é a primeira a reconhecer a utilidade de “tentar retirar o lixo do mar e promover atividades de recolha nas praias e reciclar”, às quais está intimamente ligada, mas reconhece que essas ações por si só nunca irão resolver o problema do lixo marinho. Até porque “todos os anos entram no mar 12 milhões de toneladas de plástico”. É por isso que “todo o plástico que retirarmos será sempre uma gota de água no oceano”. Nas suas aulas e frequentes palestras recorre, muitas vezes, a uma metáfora: “Imagine que chega a casa e tem uma inundação. O que vai fazer? Começar a limpar ou fechar primeiro a torneira? Vai certamente fechar a torneira. É isso que temos de fazer.”
Com uma carreira dedicada às causas ambientais, Paula Sobral foi recentemente galardoada com o “Iconic Women Creating a Better World for ALL”, no Internacional Women Economic Forum. Recebeu o prémio com duas colegas docentes e, no seu caso, foi salientado precisamente o papel no combate ao lixo marinho e aos microplásticos. Um combate que se materializou, por exemplo, na parceria entre a Associação do Lixo Marinho e a Doca Pesca, “Pesca por um mar sem lixo”, que envolve os pescadores na recolha do lixo que encontram no mar. A maioria vem inclusivamente nas próprias redes, e os pescadores, em vez de o deitarem borda fora, guardam e trazem para terra.
O projeto implica, acima de tudo, recolher os restos de redes “eternamente a pescar no mar”, causando a morte a inúmeras tartarugas, tubarões, mamíferos marinhos e outros peixes. Com esta iniciativa os pescadores passam a fazer parte da solução, pelo que a aceitação tem sido bastante positiva.
O confinamento foi aproveitado para dar “frequentes passeios à beira-mar” e para a “simples contemplação dos espaços naturais”. Foram a sua terapia, embora não resistisse muitas vezes e lá ia “olhando para o que estava praia”, porque esta professora universitária tem, sobretudo, notas negativas para o comportamento negligente de muitos portugueses – e a primeira vai diretamente para os fumadores, responsáveis pelo item de lixo que, “de longe”, se encontra em maior quantidade no mar: as beatas.
As máscaras e as luvas de proteção, por causa da pandemia, são outra fonte de preocupação atual. “São descartadas um pouco por todo o lado, sem o cuidado de as colocar no contentor certo. Num país como Portugal, onde existe gestão de resíduos, não há desculpa para esses materiais acabarem na praia”. Mas acabam, “arrastados diretamente pelas chuvas para as linhas de água, ou, indiretamente, através dos esgotos pluviais”.
Outra nota negativa vai para quem consome plástico em excesso, muitos justificando-se com a reciclagem. “Reciclamos apenas 9% do plástico enviado. Não somos só nós, Portugal, é o mundo inteiro.” Pela sua parte já decidiu e evita todas as “embalagens idiotas”. E existem muitas, “os supermercados estão cheios de coisas ridiculamente embaladas”. Ora, “se todos consumirmos menos plástico, a indústria vai produzir menos plástico”, o que me parece evidente. Se queremos parar esta calamidade, “temos de fechar a torneira”!
Oceano de Esperança é um projeto da VISÃO em parceria com a Rolex, no âmbito da sua iniciativa Perpetual Planet, para dar voz a pessoas e a organizações extraordinárias que trabalham para construir um planeta e um futuro mais sustentáveis. Saiba mais sobre esta missão comum.