Para passar na nova ponte sobre o rio Douro, inaugurada em 1806, era preciso pagar portagem. Ora, isto fazia com que os habitantes do Porto e de Vila Nova de Gaia resmungassem um bocado. Cada peão tinha de puxar de uma moeda de 5 réis, um cavaleiro desembolsava 20, um carro de bois 40 e uma bela carruagem 160 réis. Isto de dia, porque depois do pôr do sol os preços duplicavam. Apesar disso, a obra, que assentava sobre 33 barcas ligadas entre si e ao tabuleiro por cabos de aço de aspeto sólido, era o mais recente orgulho da região.
Hoje, passados mais de dois séculos, parece-nos uma coisa um bocado primitiva, mas era melhor do que as pontes anteriores que lá tinham existido. Só que o pior mesmo, estava para vir. Esta nossa história passa-se no tempo das Guerras Napoleónicas, quando o imperador francês Napoleão mandava na Europa e invadia, com o seu Grande Exército, os outros países. Só a Inglaterra parecia capaz de lhe fazer frente.
E foi em março de 1809 que um exército francês comandado pelo marechal Soult entrou em Portugal, por Chaves. Já era a segunda vez que o País era invadido. Da primeira, em 1807-1808, os franceses chegaram a instalar-se em Lisboa e a governar, mas tinham sido expulsos por tropas inglesas e portuguesas. Agora, o objetivo era o Porto.
Garrafas enterradas
Durante o avanço dos invasores, as populações de algumas aldeias transmontanas, sobretudo da zona de Boticas, enterraram as garrafas de vinho que tinham nas adegas, para evitar que os soldados franceses ficassem com elas. Quando, mais tarde, as desenterraram, gostaram do sabor da bebida e assim nasceu na zona o costume de enterrar as garrafas. É o «vinho dos mortos».
No dia 16 desse mês, as tropas de Soult obtiveram uma vitória perto de Braga e no dia 29 entraram no Porto, que estava mal defendido. Na segunda cidade do País, os soldados franceses assaltavam casas e atacavam a população que, indefesa, tentava defender o que era seu.
E foi então que o povo tentou fugir em massa para o lado de Gaia, de onde algumas tropas portuguesas disparavam sobre os invasores. A nova ponte vinha agora mesmo a calhar! Só que a estrutura, aparentemente tão sólida, não aguentou o peso da avalancha humana e quebrou-se. Muita gente caiu ao Douro, esbracejando. Nesse tempo ninguém sabia nadar, nem sequer os marinheiros ou os pescadores.
Foi a Tragédia da Ponte das Barcas, ainda hoje muito lembrada na cidade. Quantas pessoas se afogaram? Não se sabe, pois na confusão e no desespero ninguém as contou. Há quem fale de 4 mil pessoas, há quem fale de 400, mas há também quem fale de 20 mil!

Cantora de fôlego
Por acaso, encontrava-se no Porto a célebre cantora lírica setubalense Luísa Todi, que fez uma carreira de grande sucesso internacional. Quando os franceses entraram na cidade, a prima-dona pegou no dinheiro e nas joias e saiu com os filhos para a Ribeira, disposta a arranjar um bote que os transportasse para Gaia.
Quando falava com um barqueiro, a filha foi atingida num joelho por uma bala. Ao querer socorrê-la, a cantora caiu ao Douro, e só se salvou porque a empregada lhe estendeu um remo. De novo no cais, e quando a cavalaria de Soult dobrava já a esquina, a encharcada Luísa Todi falou num francês perfeito a um oficial napoleónico apresentando-se e pedindo-lhe socorro para a filha.
O oficial conduziu-a logo à presença de Soult, que era seu admirador e a tratou com toda a deferência. Foi no momento em que a cantora subia a rua acompanhada pelo oficial que se ouviu um estalo sinistro seguido de um berro soltado em uníssono por milhares de gargantas. Era a ponte a quebrar-se! Tentando amenizar o desastre, Soult proibiu os seus soldados de pilharem casas particulares, lojas e igrejas, e mandou distribuir sopa aos pobres.
Dois meses depois, exatamente a 12 de maio, os franceses seriam expulsos do Porto pelas tropas inglesas e portuguesas e forçados a retirar de Portugal pela fronteira de Montalegre, após uma difícil passagem pelas serras. Acabava assim a segunda Invasão Francesa, mas ainda haveria uma terceira.

Diariamente aparecem velas junto da lápide com um alto-relevo que desde 1897 recorda a Tragédia da Ponte das Barcas. Um novo monumento evocativo, da autoria de Souto Moura, foi inaugurado em 2009. O povo do Porto e de Gaia nunca esqueceria a tragédia que atingiu os seus antepassados, e ainda a chora.