Nos filmes de super-heróis, sabe-se que o heroísmo cresce na proporção das virtudes maléficas do vilão – quanto mais terrível o vilão, maior o herói. De forma semelhante, em Ainda Estou Aqui, Walter Salles entende bem que a dimensão de uma tragédia cresce mediante a dimensão da felicidade que se destrói. Por isso, toda a primeira parte do filme é dedicada ao retrato de uma família feliz, com uma casa aberta, que absorve toda a movida cultural e intelectual do Rio de Janeiro dos anos 70.
O início do filme é quase frenético, na forma como nos envolve numa sequência de cenas, de ação rápida, de um mundo que invejamos. Esteticamente é um vislumbre, pela inclusão de filmagens Super 8, mas também pela banda sonora: a música toma conta do filme, com grandes êxitos que fizeram aquela época, de Erasmo Carlos, Mutantes, entre outros.
O filme é construído tendo como base um anunciado turning point que acontece in medias res. Tudo o que está antes, por mais colorido que seja, cresce com a tragédia anunciada; tudo o que está depois desenvolve-se tendo como base essa mesma tragédia. A construção parece simples, mas a abordagem é hábil.
A verdadeira tragédia é a ditadura militar brasileira, e o seu sistema de terror, que implicava tortura e desaparecimentos sumários. A história baseia-se no caso de Rubens Paiva, ex-deputado brasileiro, que foi levado para interrogatório pela polícia militar e desapareceu sem deixar rasto, para desespero da sua mulher e dos seus cinco filhos.
O filme ganha particular importância perante o crescimento da extrema-direita e as intenções bolsonaristas de reescrever a História. O Brasil já fez vários filmes a denunciar os crimes da ditadura fascista, mas este tem especial impacto, em parte pela sua capacidade de empatia, mas também, claro, pela sua repercussão internacional.
Ainda Estou Aqui está nomeado para os Oscars (nas categorias de Melhor Filme, Melhor Atriz e Melhor Filme Internacional) e, para já, Fernanda Torres tornou-se a primeira atriz brasileira a ganhar um Globo de Ouro.
Ainda Estou Aqui > De Walter Salles, com Fernanda Torres, Selton Mello, Valentina Herszage > 136 min
Artigo atualizado a 23 de janeiro, depois do anúncio dos nomeados aos Oscars 2025.