Em 2019, Ken Loach, guru do cinema ativista britânico, realizou Passámos por Cá, um retrato cru da vida dura dos estafetas de entrega de encomendas em Inglaterra, arrastados num sistema que os obriga a endividarem-se para terem a ilusão de que são patrões de si próprios.
O francês Boris Lojkine, no seu terceiro filme, escava mais fundo e vai até ao submundo de outro tipo de estafetas: os “Uber Eats” que percorrem as ruas de Paris de bicicleta em contrarrelógio, muitos deles imigrantes ilegais, que pagam a terceiros um subaluguer da conta da plataforma. O filme é um murro no estômago no estilo de vida da burguesia ocidental.
Lojkine centra-se num só personagem, Souleymane, um guineense (Conacri) que passou os cabos das tormentas dos movimentos migratórios africanos em busca de uma Europa que não lhe dá aquilo que esperava. Souleymane passa o dia a correr contra o tempo, para ganhar dinheiro para a sua sobrevivência, enquanto se prepara para a entrevista de pedido de asilo, fixando uma história falsa que não é mais trágica do que a sua.
O realizador fez uma cuidada pesquisa, em conjunto com Delphine Agut, que incluiu muito trabalho no terreno, resultando num tom realista conseguido através dos mais ínfimos detalhes. Acredita-se na verdade do filme, sendo que a marca mais profunda são as próprias viagens de bicicleta, que nos mostram uma personagem sempre em risco, sempre no limite.
Para isso contribui o estilo cru da própria câmara. Uma câmara de proximidade que nos permite vestir a pele do outro e nos confronta com as nuances do nosso próprio mundo. O tema da migração, de resto, já tinha sido abordado pelo realizador na sua primeira longa de ficção, Hope. Mas aqui consegue um outro fôlego, deixando para trás a questão tumultuosa da viagem odisseica dos migrantes e concentrando-se na própria sociedade francesa, e nas condições que dá àqueles que ali chegam.
A História de Souleymane > De Boris Lojkine, com Abou Sangare, Nina Meurisse, Emmanuel Yovanie > 93 min