1. Lee Miller: Na Linha da Frente, de Ellen Kuras
As possibilidades eram muitas. Na vida de Lee Miller há tanto potencial cinematográfico que, partindo para a realização de um biopic, era obrigatório fazer opções. Lee Miller: Na Linha da Frente começou a ser preparado em 2015, a partir do livro biográfico do filho da fotógrafa, Antony Penrose, publicado em 1985. Kate Winslet (em quem a realizadora Ellen Kuras viu fortes semelhanças físicas com Lee Miller) entusiasmou-se rapidamente com o projeto e tornar-se-ia, mesmo, coprodutora do filme.
Há um discurso feminista sublinhado a traço grosso em vários momentos do filme, mas o lado mais artístico, boémio e livre/libertino de Lee Miller acaba por surgir sempre como um apontamento ou um eco longínquo. A ação – que nos chega num longo flashback, a partir de uma entrevista/conversa sobre o passado com alguém que é muito mais próximo da protagonista do que, a princípio, parece – centra-se, sobretudo, no papel de Lee Miller como correspondente de guerra e na sua relação com Dave Scherman (em trabalho para a revista Life, interpretado por Andy Samberg), enquanto, juntos, testemunharam os horrores da II Guerra Mundial. A realizadora preocupou-se bastante com a reconstituição histórica – das cenas de batalha em Saint-Malo, da chegada aos campos de concentração de Buchenwald e Dachau recém-libertados (onde ainda se acumulavam cadáveres dentro de carruagens de comboio para onde Lee teve a coragem de subir) e da célebre fotografia do banho de Lee nas instalações de Hitler em Munique. Pedro Dias de Almeida. De Ellen Kuras, com Kate Winslet, Andy Samberg, Josh O’Connor, Andrea Riseborough > 106 min
2. Joker: Loucura a Dois, de Todd Phillips
É com a estética das animações Looney Tunes, em especial de Bugs Bunny, que abre esta sequela de Joker. A personagem principal ganha uma versão animada (foi, aliás, assim que tudo começou, nos livros da saga Batman da DC Comics) e recordamos o que levou Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) a estar a caminho do “julgamento do século”. Matou cinco pessoas, uma delas em direto na televisão nacional. Na verdade, são seis, mas só o espectador sabe.
Em Joker: Loucura a Dois, a história mantém-se intensa, sem ir demasiado ao passado buscar explicações. Os momentos musicais existem, mas a banda sonora não faz desta sequela um filme-musical. As canções, algumas bem conhecidas, são pensamentos, respostas, anseios ou verdadeiros pedidos de ajuda do supervilão e de Lee Quinzel/Harley Quinn (Lady Gaga).
A ação do novo filme de Todd Phillips divide-se de forma equilibrada entre Arkham, centro de correção onde Arthur Fleck está sempre a ser desafiado a contar uma nova piada, e o tribunal, onde nas alegações finais cresce para os jurados num momento de stand-up sem comédia. Joker: Loucura a Dois volta a expor as fragilidades da doença mental, da tormenta do sentimento de invisibilidade numa sociedade também ela atormentada. E, no fim, nem o Apocalipse os salvou. Sónia Calheiros. De Todd Phillips, com Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Catherine Keener, Brendan Gleeson > 138 min
3. Mãos no Fogo, de Margarida Gil
Margarida Gil inspira-se num conto de Henry James para uma viagem ao Douro cheia de mistério e cinema. Filmar esse rio e essa região remete-nos imediatamente para o universo de Manoel de Oliveira, com Agustina Bessa-Luís, mas a realizadora, apesar de citar o mestre, leva-nos por caminhos diferentes.
Mãos no Fogo quase se confunde com um ritual iniciático. Acompanhamos os passos de uma jovem cineasta a preparar uma tese sobre o real, documentando uma quinta do Douro altamente misteriosa. O próprio dono da quinta, numa interpretação magnífica de Marcello Urgeghe (assim como o é a de Rita Durão) é um cinéfilo perverso, que se dedica a produzir vídeos caseiros com jogos psicológicos de intensidade doentia. Há um confronto entre linguagens fílmicas, a meio caminho do metacinema, beneficiando tudo isto da magnífica fotografia de Acácio de Almeida – denotando um fascínio maior pelos interiores do que pela paisagem deslumbrante em volta.
O filme teve a sua estreia em Berlim, marcando o regresso da experiente realizadora a um festival maior, 37 anos depois da passagem por Veneza com a sua primeira longa, Relação Fiel e Verdadeira. Manuel Halpern. De Margarida Gil, com Carolina Campanela, Marcello Urgeghe, Rita Durão e Adelaide Teixeira > 109 min