A certa altura, uma das personagens comenta: “Os vivos têm dificuldade em entender os moribundos.” E essa acaba por ser a síntese, ou o objetivo inalcançável, do filme. Mais que Nunca não é, naturalmente, um filme de zombies, mas não deixa de ser um filme de mortos-vivos – o que, na verdade, somos todos, pois essa é a condição humana. Centra-se em Hélène, uma jovem mulher com uma doença rara e cuja morte é iminente.
O tema não é propriamente novo no cinema, mas Emily Atef, realizadora franco-iraniana, nascida em Berlim, tenta dar-lhe uma perspetiva diferenciada, que vai para lá de uma exposição direta e violenta do drama. Inspira-se, em parte, na experiência vivida por si, durante a doença da mãe.
Na primeira parte do filme, em Bordéus, talvez a mais dura, o drama cose-se e descose-se, roçando traços de loucura. Não é apenas o drama de quem parte; é também o de quem fica, concretamente o marido/companheiro que não sabe como lidar com a morte iminente da mulher. Um dramalhão suficientemente realista para deixar qualquer um incomodado.
Na segunda parte, vislumbra-se uma ideia de libertação. A partida para a Noruega é, não só literalmente, uma lufada de ar fresco. Na proximidade com a Natureza, numa vivência quase eremita, pretende-se entender a vida e a morte. O filme nunca deixa de ser duro, mas não nos traz a crueldade explícita de um Michael Haneke, ao obrigar-nos a assistir a um padecimento físico até ao fim. Levanta, antes, questões filosóficas, e até morais, sempre seguindo essa ideia de que os vivos dificilmente entendem os moribundos.
Mais que Nunca, a primeira obra de Atef, estreou-se em Cannes. Não sendo genial, é contundente, em parte graças à grande interpretação de Vicky Krieps. E os espectadores mais atentos têm de viver com a informação de que o ator principal, Gaspard Ulliel, morreu pouco antes da estreia, num acidente de esqui – irónico e trágico. Essa morte, sim, uma verdadeira tragédia.
Mais que Nunca > De Emily Atef, com Vicky Krieps, Gaspard Ulliel, Bjørn Floberg > 123 min