Em O Sol do Futuro, Nanni Moretti troca a sua velha lambreta por uma moderna trotinete, daquelas que hoje proliferam nas cidades, para dar voltas de repérage num dos mais emblemáticos bairros de Roma. O filme representa o regresso do realizador italiano ao estilo de Palombella Rossa (1989), Querido Diário (1993) e Abril, (1998), filmes autoficcionados que o transformaram num ícone universalmente reconhecível.
Neste O Sol do Futuro há uma ligação explícita e inequívoca a Palombella Rossa e ao debate ideológico em volta da esquerda italiana e europeia. Voltamos a encontrar Moretti a fazer de Moretti, com as suas angústias e neuroses. Ele é um realizador, chamado Giovanni, que se esforça por entender as transformações do mundo à sua volta, ao mesmo tempo que prepara um filme sobre o impacto que teve no Partido Comunista Italiano a Revolução Húngara de 1958, que terminou violentamente esmagada pelos tanques soviéticos.
Juntamente com O Sol do Futuro, chega às salas portuguesas A Coisa, documentário que Moretti realizou em 1990 com excertos da discussão interna que levou à extinção e à refundação do Partido Comunista Italiano
Em Palombella Rossa, Moretti propunha-se repensar o mundo – ou, pelo menos, os conceitos ligados ao comunismo (o filme acabou por ter impacto na Svolta di Bologna, processo que levou à extinção, e à refundação, do Partido Comunista Italiano).
Aqui, há antes um repensar da História, o exercício de regressar a um momento decisivo de separação de águas, imaginando que tudo seria diferente se o PCI tivesse optado por um determinado posicionamento, na altura certa, dessa revolta húngara. Moretti não resiste mesmo a reparar um erro histórico, coisa que só é possível na ficção.
Ao lado deste enredo, Moretti, envelhecido e com manias de homem mais velho, retoma o estilo de Querido Diário, de um verdadeiro cinema de autor, centrado num protagonista que lhe serve de alter ego, e vai expondo, com humor e acidez, a sua perplexidade perante o mundo. Afasta-se, assim, das estruturas mais convencionais por que optou nas últimas duas décadas, desde O Quarto do Filho (2001) a Três Andares (2021). Com toda a sua intelectualidade, ironia e rezinguice, continua a conquistar-nos. O Sol do Futuro devolve-nos um Moretti a saber a Moretti.
O Sol do Futuro > De Nanni Moretti, com Nanni Moretti, Margherita Buy, Silvio Orlando, Barbora Bobulova, Mathieu Amalric > 95 min