Se não servir para mais nada, o filme de Hlynur Pálmason vale pelo deslumbre fotográfico, por proporcionar-nos, sem sairmos da sala de cinema, uma viagem pictórica por uma das mais belas ilhas do mundo. Sobretudo na primeira metade, Terra de Deus é também um esmagador slide show, feito de imagens arrebatadoras, dignas dos mais cuidados postais ilustrados. Mas o filme é mais do que isso. Essa beleza natural que nos absorve é, de certa forma, também protagonista do filme – a Natureza, por si, transforma-se numa personagem.
Em Terra de Deus, acompanhamos o caminho de Lucas, um jovem padre protestante dinamarquês, que parte para a Islândia com o objetivo declarado de construir uma igreja, antes do inverno. Aparentemente, não há um propósito de evangelização clássico, simplesmente a intenção de conceder um templo e um pastor a uma população isolada já crente.
Lucas é um falso idealista. Em vez de contornar a ilha de barco, propõe-se a atravessá-la a pé, por forma a conhecer e a fotografar a sua gente. Esta via-sacra revela-se extremamente dolorosa e insana. Aquela beleza natural que nos esmaga é a mesma que quase mata quem a desafia. Este é o paradoxo que alimenta a primeira parte do filme. O belo que nos pode matar ou enlouquecer, ou, como diz uma das personagens, uma ilha impiedosa, de uma beleza terrível.
Terra de Deus começa por ser um on the road e um filme de sobrevivência, uma espécie de western sem pistolas. Porém, na segunda parte, a viagem é outra – já não se faz de obstáculos e de peripécias. As mudanças são, sobretudo, interiores e relacionais, num caminho rumo à insolvência moral e à insanidade. Num contexto extremo, Lucas vai descobrindo a sua (des)humanidade. Diaboliza-se.
Estreado em Cannes, Terra de Deus é um filme de extremos, subtilmente anticlerical, que mostra uma Islândia paradisíaca e demoníaca, um mundo do fim do mundo.
Terra de Deus > De Hlynur Pálmason, com Elliott Crosset Hove, Ingvar Sigurdsson, Vic Carmen Sonne > 131 min