Se dúvidas houvesse sobre a intenção de manifesto, próximo das lutas contemporâneas dedicadas à igualdade de géneros, o título da exposição comissariada por Helena de Freitas e Bruno Marchand exibe genealogia clara: inspira-se na flamejante Lou Andreas-Salomé (1861-1937) que lutou por novas regras para as mulheres. A escritora defendia: “O mundo não te vai oferecer nada, acredita; se queres uma vida, rouba-a.” Das 40 artistas portuguesas escolhidas para esta revisitação, apenas seis se afirmaram na primeira metade do século XX, o que “oferece uma imagem clara da desproporção” vivida, da invisibilidade face aos artistas homens. Havia leis e preconceitos, o “espartilho” da maternidade, os outros censuradores… Tudo O Que Eu Quero não é uma exposição exaustiva, mas tem a ambição de abordar narrativas de identidade, liberdade, poder, condição feminina e feminismo, e até temas emergentes: direitos cívicos, crise, ecologia, pós-colonialismo (de que é bom exemplo a artista Grada Kilomba).
Parafraseando Freitas e Marchand, há “o olhar, o corpo (o seu corpo, o corpo dos outros, o corpo político), o espaço e o modo como o ocupam (a casa, a natureza, o atelier), a forma como cruzam as fronteiras disciplinares, como exploram diferentes matérias (a palavra, o texto, o som), como desafiam convenções sociais relativas à sua identidade, à sua sexualidade, ao seu papel na sociedade, e como avançam na utopia de uma construção transformadora.”
Pintura, escultura, desenho, objeto, livro, azulejo, instalação, filme e vídeo revelam a passagem “de musas a criadoras”, aqui inaugurada pelo poderoso autorretrato de Aurélia de Sousa (1866-1922) com uma nova atitude e mundividência própria. Outras obras são mais subtis, como a figurinha naïf de Moi, Refléchissant Sur la Peinture, pintada por Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992).
A palavra, de novo, aos curadores: há “a interpelação frontal dos modelos de Paula Rego, as figuras informes e invasivas de Maria Antónia Siza, o jogo mímico de corpo e obra em Helena Almeida, a exuberante máquina híbrida de Joana Vasconcelos, a presença provocatória da escultura-objeto de prazer de Patrícia Garrido ou a encenação do vazio em Ana Vieira, as sombras de Lourdes Castro, a ‘interioridade intransmissível’ de Menez, o apagamento performativo de Armanda Duarte, e ainda a presença expansiva e onírica de Susanne Themlitz.” E tantas mais…
Incluída no Programa Cultural da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, Tudo O Que Eu Quero era para inaugurar no BOZAR de Bruxelas, plano gorado pelo incêndio na instituição. Em 2022, a exposição vai estar no Centre de Création Contemporaine Olivier Debré, em Tours, no âmbito da Temporada Cruzada Portugal-França.
Tudo O Que Eu Quero – Artistas Portuguesas de 1900 a 2020 > Fundação Calouste Gulbenkian – Edifício Sede > Av. Berna 45A, Lisboa > T. 21 782 3628 > 2 jun-23 ago, qua-seg 10h-18h > grátis