Era para ter desabrochado no equinócio: A Vida Como Ela É, nova exposição de Lourdes Castro que, na prática, assinala os profícuos 90 anos da artista plástica radicada no Funchal, devia ter aberto portas a 20 de março, deixando florir esse campo singular que é o da sua produção, poética e atenta aos ritmos da Natureza e às vanguardas do século XX.
Mas a pandemia trouxe tempos instáveis, atmosferas pesadas e fechamentos vários… Conta Ricardo Nicolau, cocurador com Isabel Braga, que a situação foi encarada por Lourdes Castro com “a sua proverbial sabedoria e sentido de humor”: “O calendário está avariado, a primavera vai começar quando a minha exposição inaugurar.” E serão as flores que os visitantes vão ver primeiro nesta reunião de trabalhos pertencentes à coleção de Serralves e a outras coleções aí depositadas (como a da Coleção SEC, e a da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento).

Ricardo Nicolau revela que na sala central estão “obras de quase todos os períodos”, das pinturas de 1962 aos desenhos de 2000, e que a ausência de “sombra” no título sinaliza o desejo de uma nova perspetiva.
“A Montanha de Flores” (2003), instalação com pétalas de malva acumuladas durante 14 anos, que Lourdes Castro apresentou em 2003, é evocada via vídeo, com a transmissão do documentário La Montagne de Fleurs de Lourdes Castro, filmado por Geneviève Morgan.
Mas esta é uma “viagem” pelos marcos de carreira e, claro, pelas sombras, tema presente desde 1960: os desenhos da série Sombras À Volta de um Centro que exibem as silhuetas delicadas de gerânios, malmequeres ou miosótis; um lençol bordado com as figuras deitadas de Lourdes e o companheiro Manuel Zimbro; o filme que recorda A Montanha de Flores (2003); as assemblages e colagens com objetos quotidianos; as obras em plexiglass; a Peça, em colaboração com Francisco Tropa, para a Bienal de São Paulo de 1998; os cartazes que anunciam as exposições e os teatros de sombras realizados com zimbro; a revista KWY (1958-1963).
Conta Nicolau que quando a artista é (ainda) pressionada a dizer o que anda a fazer, responde de duas formas: “A minha obra é o meu jardim” ou “a minha obra é estar aqui”. Sem solidões: “Não estou sozinha, as árvores fazem-me muita companhia.” A vida como ela poderia ser.

A Vida Como Ela É – Lourdes Castro na Coleção de Serralves > Museu de Serralves > R. D. João de Castro, 210, Porto > T. 22 615 65 00 > até 18 out, seg-sex 10h-18h, sáb-dom 10h-19h > €12