As instruções foram claras: Diego Rivera (1886-1957) queria que o espólio da Casa Azul, onde vivera com Frida Kahlo, se mantivesse fechado a sete chaves durante os 15 anos seguintes à sua morte. O pintor de murais – gigante boémio que se casara por duas vezes com a pintora mexicana –, após a morte desta, guardara quase tudo o que lhe pertencia para si mesmo, mas doou a casa, juntamente com algumas pinturas, desenhos, cerâmicas e a coleção de ex-votos ao povo mexicano. A ocultação do acervo ganhará décadas extra, porque Dolores Olmedo, a colecionadora a quem Rivera transmitira este testamento verbal (e que convertera a sua própria hacienda num museu exclusivamente dedicado ao muralista), levará o seu desejo até às últimas consequências. Cinquenta anos de poeira e de esquecimento cairão sobre o arquivo aventuroso do casal Diego Rivera e Frida Kahlo, encerrado no bairro de Coyoacán, Cidade do México. Em 2003, a investigação, no hoje denominado Museu Frida Kahlo, descobriu, dentro de gavetas e de roupeiros, mais de seis mil fotografias, 22 mil documentos e cartas, três mil revistas, dois mil livros, desenhos, vestidos, brinquedos, objetos, garrafinhas medicinais da artista, mas também testemunhos visuais do marido e dos cúmplices que os rodeavam. Ela dizia que as fotografias e as cartas dos amigos serviam para “os manterem próximos” e para aliviar a sua solidão.
E foi a partir desse espólio que se construiu a exposição itinerante Frida Kahlo – As Suas Fotografias que, desde 2010, tem andado pelo mundo. Lisboa viu-a em finais de 2011, no Pavilhão Preto do Museu da Cidade, agora é a vez de o Centro Português de Fotografia, no Porto, a receber até 4 de novembro. Com curadoria do fotógrafo e historiador Pablo Ortiz Monasterio, a exposição faz uma ambiciosa panorâmica biográfica de Frida Kahlo, documentando a juventude, a família, as viagens marcantes a Nova Iorque, os amantes, as personalidades com que conviveu, o quotidiano na Casa Azul, a prática no atelier, as políticas, o amor pelo folclore mexicano… Mas a candura e a intimidade de certas imagens é que perdurarão na memória: Frida adolescente, com o vestido às bolinhas e o cabelo bem penteado, consciente de si e olhando diretamente para as lentes do pai, Guillermo; a pintora a rir às gargalhadas, caída no chão ao lado de uma amiga; Frida, uma jovem grávida, protegendo a barriga com as duas mãos; Kahlo fotografada no hospital, captada de costas, o corpo quebrado mas em pose sensual…
Organizada em seis núcleos (As Origens; A Casa Azul; Política, Revoluções e Diego; O Corpo Acidentado; Os Amores; Fotografia), a exposição revela tanto imagens domésticas como fotografias de grandes mestres, como Brassaï, Edward Weston, Lola Álvarez Bravo, Man Ray, Martin Munkácsi ou Tina Modotti. Em torno do mito vivo, havia uma elite de artistas e de intelectuais, partilhando uma época efervescente – e aquela corda fina estendida entre a tragédia e a alegria. Visível no documentário de 55 minutos, incluído no circuito expositivo, Frida Kahlo: Entre a Dor e o Prazer, com testemunhos de Arturo Estrada (pintor e antigo aluno de Frida e de Diego), Hilda Trujillo (diretora do Museu Frida Kahlo), Lila Downs (cantora) e vários académicos e admiradores da pintora mexicana.
Frida Khalo – As suas fotografias > Centro Português de Fotografia, Largo Amor de Perdição, Porto > T. 22 004 6300 > Até 4 nov, seg-dom 10h-19h > €8, €6 (<25 anos), €22 (bilhete família)